São Paulo, sábado, 14 de julho de 2007

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Crítica/romance

Marroquino cria painel de desajustados no mundo islâmico

CRÍTICO DA FOLHA

"É intolerável que um doente que se dirige aos hospitais do Estado seja abandonado porque o hospital está sem recursos. (...) É preciso que este país seja salvo; está com comprometimentos demais, corrupção demais, injustiça demais e desigualdades."
Tirado do contexto, esta frase parece talhada para qualquer país da chamada periferia do capitalismo. Como o Brasil, digamos. Mas, sabendo que ela é proferida por um "recrutador", um homem sequioso por convencer o herói a lutar ao lado de organizações islâmicas contra os estrangeiros infiéis, então não temos dúvida de que estamos lidando com o contexto muçulmano.
Nesse cenário, a corrupção de Estado é o outro lado da moeda do terrorismo religioso; a opressão convive com uma cultura milenar; a pobreza e a falta de perspectivas levam milhares de jovens a sonhar com outras realidades, que podem estar do outro lado do Mediterrâneo, a poucas dezenas de quilômetros de distância.
Pois, neste novo romance do escritor marroquino de expressão francesa Tahar Ben Jelloun, estamos no Marrocos.
Em um dia claro, o herói Azel pode avistar a costa da Espanha. Com 20 e poucos anos, formado em direito, mas sem nenhuma esperança de emprego formal, Azel já tentou entrar ilegalmente na Europa, mas o máximo que conseguiu foi ser extorquido pelo passador.
Teve melhor sorte do que seu amigo Noureddine, pelo menos, que se afogou quando tentava cruzar o estreito de Gibraltar. A vida de Azel muda quando conhece Miguel, rico galerista espanhol, íntimo da corte de Hassan 2º (o romance se passa na década de 90). Apaixonado pelo belo marroquino, Miguel o apadrinha, arranja-lhe emprego, ajuda a família, leva-o à Espanha.

Contradições
Mas a felicidade não sorri a Azel. Dividido entre os conceitos tradicionais e os costumes modernos, incapaz de desfazer o nó de sua sexualidade ambígua, o herói é um poço de contradições, que terminam por selar seu destino.
De certo modo, Azel, cujo nome -Azz el Arab- quer dizer o orgulho dos árabes, funciona como mote para Ben Jelloun expor a crise de seu país natal.
Embora o ponto de vista de Azel seja o principal, o romance é tecido por meio da perspectiva de vários personagens, como Kenza, a irmã de Azel, que deseja escapar ao jugo dos homens, ou a menina Malika, que arruína a saúde descascando camarões para uma indústria multinacional.
Porta-vozes de desejos particulares, esses indivíduos quase não interagem de fato entre si. Não nos convencem no sentimento que dizem sentir pelo outro, seja este outro irmão, mãe ou amante. Como Azel, são figuras com que Ben Jelloun tece seu painel dos desajustados de um país de desajustes.
No fim, todos mantêm um olhar para dentro de si e outro para fora; para o que são e para o que poderiam ser diante da potencialidade de um mundo que os rejeita. Como é ordinário em países de periferia, têm de haver-se com o nacional e com o estrangeiro. São portadores de uma cisão que precisam resolver a todo custo para não imergirem no caos. (MARCELO PEN)

PARTIR


Autor: Tahar Ben Jelloun
Tradução: Mônica Cristiana Corrêa
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 39 (288 págs.)
Avaliação: bom


NA INTERNET - Leia trecho

www.folha.com.br/071941


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