São Paulo, sábado, 14 de julho de 2007

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Crítica/ensaio

Autor suíço destaca vigor da poesia oral

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Numa das definições mais belas e precisas sobre a importância da inutilidade da arte, Octavio Paz diz que "a metáfora é a língua erotizada" e que "o erotismo é o sexo metaforizado". Nem a poesia nem o erotismo servem para nada. Nenhum dos dois serve a nada. É seu maior serviço: desfazer os utilitarismos.
O suíço Paul Zumthor, em seu livro "Performance, Percepção e Leitura", também dá conta do erotismo presente na poesia, especialmente naquilo que ela mantém de oral e vocal. Tanto a poesia é o território da voz como a voz é uma potência poética. O autor mostra a opressão que a voz vem sofrendo, desde o final da Idade Média, pela hegemonia da escrita e do pensamento fixo e abstrato.
O interlocutor, sua fugacidade e concretude se ausentam, em troca de uma palavra mais mensurável e poderosa na distância e na solidão do texto escrito. As novas tecnologias da comunicação, para ele, podem assim ser interpretadas como uma "ressurgência das energias vocais da humanidade".
O corpo, inutilizado pela escrita, é aquele que reage, com seu peso, volume e densidade, quando a palavra provoca prazer, lembranças, idéias.
"Meu corpo é a materialização daquilo que me é próprio, realidade vivida e que determina minha relação com o mundo (...). Sensações de vazio, de plenitude, de turgescência, mas também um ardor ou sua queda, o sentimento de uma ameaça ou, ao contrário, da segurança íntima (...), alegria ou pena provindas de uma difusa representação de si próprio."
É preciso muita coragem para um historiador dizer algo dessa natureza nos tempos opressivamente escritos em que vivemos e em que o corpo parece ficar de fora das considerações científicas, por incrível que pareça.
A performance é um reconhecimento, uma concretização do corpo, de si e do outro, no aqui e no agora da voz. Dos repentistas brasileiros (que Zumthor estudou a fundo) aos "griots" de Burkina Fasso, passando pelos "rakugokas" do Japão, o indivíduo em atitude performática se coloca integralmente naquela situação e estabelece, com quem realiza o pacto proposto pela voz, uma comunhão laica.
A poesia é, segundo o autor, uma "ritualização da linguagem"; e a poesia vocalizada, "performatizada", pode vir a ser também uma libertação da palavra de sua duração cronológica, inserindo-a num outro tempo: o tempo concreto, do ato, do agora que passa, mas que se sustenta pela potência de sua autenticidade.

PERFORMANCE, RECEPÇÃO, LEITURA


Autor: Paul Zumthor
Tradução: Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 29 (128 págs.)
Avaliação: ótimo



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