São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2008

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Exposição "descanoniza" Machado

Museu da Língua Portuguesa se baseia em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" para criar roteiro sobre obra do autor

Dividida em 11 capítulos, a mostra, que começa hoje para convidados, reúne sala de música do séc. 19, análise crítica, manuscritos e livros


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, no morro do Livramento, no Rio. Mulato, canhoto, passou a infância como agregado de uma família mais abastada, experiência que ecoou posteriormente em sua obra. Intelectual autodidata, teve ascensão social e entrou para o cânone da literatura.
Cem anos após sua morte, o Museu da Língua Portuguesa de SP o homenageia com uma exposição que abre ao público amanhã e que tenta, em certa medida, "descanonizá-lo".
"A idéia é o que o visitante seja um leitor da obra de Machado. Queremos "desmedalhonizar" Machado", diz Cacá Machado, que divide a curadoria com Vadim Nikitin e teve consultoria de José Miguel Wisnik.
O eixo central de "Machado de Assis: Mas Este Capítulo Não É Sério?" é o romance "Memórias Póstumas de Brás Cubas". O visitante-leitor recebe na entrada um livreto com 50 páginas, em forma de um charmoso almanaque. Espécie de guia para a mostra, ele trará dez contos de Machado, que variam de exemplar a exemplar.
A exposição é dividida em capítulos cujos nomes se referem à obra de Machado. "Um Homem Célebre", o prólogo, reproduz uma sala do século 19, com um piano de cauda, de onde se ouve uma trilha sonora machadiana, com polcas, maxixes, Villa-Lobos etc.
Mais adiante, "Meu Caro Crítico" traz a evolução da crítica à sua obra, em 16 excertos. Desde contemporâneos do autor, como Sílvio Romero (1851-1914) e José Veríssimo (1857-1916), até os anos 60 e adiante, em que se destacam as análises da brasilianista americana Helen Caldwell e dos brasileiros Roberto Schwarz e Alfredo Bosi.
Cacá Machado diz que a documentação crítica, que "alinhava diversas camadas de interpretação" da obra de Machado, é um dos méritos da exposição, que, por conta de uma mostra que acontece na Academia Brasileira de Letras, tem poucos originais do bruxo do Cosme Velho. Entre eles, manuscritos do primeiro capítulo de "Esaú e Jacó" e do último capítulo de "Memorial de Aires".

Ferida racial
O último capítulo, "Delyrios", traz uma imagem do cortejo fúnebre de Machado, morto em 1908. Em ordem decrescente, apresenta uma cronologia, com momentos como a fundação da ABL até chegar ao que o curador chama de "ferida" racial em sua vida: as menções à sua ascendência negra.
Aqui estão contrapostos dois textos: um artigo de José Veríssimo, que o descrevia como um mulato "grego", "pelo seu profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra"; e uma carta de Joaquim Nabuco, contrariado com a palavra "mulato": "Para mim [Machado] era um branco (...); quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego".
Terminado o percurso da exposição, o museu abriga o "Largo do Machado", com 400 livros que o público pode ler em poltronas. Bem no clima de visitante-leitor proposto.


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