São Paulo, terça-feira, 14 de agosto de 2007

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CECILIA GIANNETTI

Choro na Feira, Tainá na praia


Digamos apenas que agora está oficialmente liberado beber caipirinha antes do meio-dia. Bem antes

CHORO NA Feira é uma feira mesmo: peixe, verduras, chinelos de dedo, artesanato. E chorões.
Os músicos costumavam chegar por volta da xepa. Há sete anos que às duas da tarde assentam seus instrumentos no larguinho cercado por ruas que sobem e descem o bairro das Laranjeiras. Afinam instrumentos. Olham em volta.
O público vem confluindo, como se desfilasse em musical da Broadway, pela General Glicério e pela Professora Estelita Lins. Chegam ao largo e se aboletam em bancos de cimento, em riste as caipirinhas de tangerina e gengibre da barraca Drinks do Luisinho. E também o pastel do Bigode.
Há quem vá ao Choro na Feira procurando alguém. Gente específica, que não se enxerga na piscação esfumaçada das boates cavernosas. Cisma que não se poderia ver com o sol na areia da praia, que cega a página branca do livro que toda moça com insuficiente lordose e alguma celulite costuma levar pra ler enquanto tosta a pele.
Lordose é fetiche carioca. Raro ver garota local com bunda forçosamente empinada e livro de texto ininteligível para um tatuí. Lêem "Sabrina" em páginas amareladas, folheiam jornais com feiúras de cidades abandonadas.
Para contrabalançar, Tainá Müller, a bela do filmaço "Cão sem Dono", tem desfilado pelo Rio beleza acintosa acompanhada de uma boa caixola para leituras.
Uma humilhação para o posto 9 -por lá as coisas hão de mudar assim que a esteira da gaúcha pousar naquelas areias, carregada de bloqueador solar e escritores russos. Demais fêmeas lendo Danielle Steel serão banidas. Perseguidas. Quem for pega com "O Segredo" na bolsa de palha será enterrada até o pescoço e alvejada na cabeça com conchinhas do mar.
Volto ao Choro na Feira, pois Tainá, a atriz, ainda não foi à praia. Para se ouvir o som, agora é preciso chegar cedo. O horário é divulgado à boca bem pequena.
Estava lotando a festa e não se podia ouvir os músicos. Para completar, à saída, chorões e público sofriam assaltos à descida da rua. Quem roubava sabia quando começavam a sair, cheios de caipirinhas do Luisinho na cabeça e algum dinheiro na carteira.
Antecipou-se, portanto, o horário do choro. Segredo. Digamos apenas que agora está oficialmente liberado beber caipirinha antes do meio-dia. Bem antes.
Alguém para se procurar no Choro é sempre alguém que se transforma debaixo do sol. Fenômeno que lhe confere luminosidade à pele, olhos achinezados, descansados.
Será que também nos procura? Com essa expressão no rosto, exibe uma cara que retorna da nossa infância. Ninguém ficava mais bonito debaixo do sol que o garoto que jogava futebol de perna-de-pau no colégio. Ou a guria que pulava elástico como se participasse das Olimpíadas. Debaixo do sol retornam feições infantis.
Seja por causa do chorinho executado pelo seu Franklin e outros músicos há quase uma década. Seja porque a gente é besta.


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