|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CECILIA GIANNETTI
Choro na Feira, Tainá na praia
Digamos apenas que agora está oficialmente liberado beber caipirinha antes do meio-dia. Bem antes
|
CHORO NA Feira é uma feira
mesmo: peixe, verduras, chinelos de dedo, artesanato. E
chorões.
Os músicos costumavam chegar
por volta da xepa. Há sete anos que
às duas da tarde assentam seus instrumentos no larguinho cercado por
ruas que sobem e descem o bairro
das Laranjeiras. Afinam instrumentos. Olham em volta.
O público vem confluindo, como
se desfilasse em musical da Broadway, pela General Glicério e pela
Professora Estelita Lins. Chegam ao
largo e se aboletam em bancos de cimento, em riste as caipirinhas de
tangerina e gengibre da barraca
Drinks do Luisinho. E também o
pastel do Bigode.
Há quem vá ao Choro na Feira
procurando alguém. Gente específica, que não se enxerga na piscação
esfumaçada das boates cavernosas.
Cisma que não se poderia ver com o
sol na areia da praia, que cega a página branca do livro que toda moça
com insuficiente lordose e alguma
celulite costuma levar pra ler enquanto tosta a pele.
Lordose é fetiche carioca. Raro ver
garota local com bunda forçosamente empinada e livro de texto
ininteligível para um tatuí. Lêem
"Sabrina" em páginas amareladas,
folheiam jornais com feiúras de cidades abandonadas.
Para contrabalançar, Tainá Müller, a bela do filmaço "Cão sem Dono", tem desfilado pelo Rio beleza
acintosa acompanhada de uma boa
caixola para leituras.
Uma humilhação para o posto 9
-por lá as coisas hão de mudar assim que a esteira da gaúcha pousar
naquelas areias, carregada de bloqueador solar e escritores russos.
Demais fêmeas lendo Danielle Steel
serão banidas. Perseguidas. Quem
for pega com "O Segredo" na bolsa
de palha será enterrada até o pescoço e alvejada na cabeça com conchinhas do mar.
Volto ao Choro na Feira, pois Tainá, a atriz, ainda não foi à praia. Para
se ouvir o som, agora é preciso chegar cedo. O horário é divulgado à boca bem pequena.
Estava lotando a festa e não se podia ouvir os músicos. Para completar, à saída, chorões e público sofriam assaltos à descida da rua.
Quem roubava sabia quando começavam a sair, cheios de caipirinhas
do Luisinho na cabeça e algum dinheiro na carteira.
Antecipou-se, portanto, o horário
do choro. Segredo. Digamos apenas
que agora está oficialmente liberado
beber caipirinha antes do meio-dia.
Bem antes.
Alguém para se procurar no Choro é sempre alguém que se transforma debaixo do sol. Fenômeno que
lhe confere luminosidade à pele,
olhos achinezados, descansados.
Será que também nos procura?
Com essa expressão no rosto, exibe
uma cara que retorna da nossa infância. Ninguém ficava mais bonito
debaixo do sol que o garoto que
jogava futebol de perna-de-pau no
colégio. Ou a guria que pulava elástico como se participasse das Olimpíadas. Debaixo do sol retornam feições infantis.
Seja por causa do chorinho executado pelo seu Franklin e outros músicos há quase uma década. Seja porque a gente é besta.
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Web 2.0 não é inovação, diz Pierre Lévy Índice
|