São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Última Moda

ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@grupofolha.com.br

Guy Bourdin e os labirintos do inconsciente

Retrospectiva no Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo, reúne 170 trabalhos do fotógrafo francês, um dos mais influentes da moda

Fotógrafos de moda costumavam ser colocados de escanteio pela crítica e pelos museus. Nas últimas décadas, movimentos recentes de opinião buscam revalorizar o trabalho de alguns deles, tentando apontar a arte contida em imagens feitas em geral por encomenda, seja para a publicidade, seja para revistas. No bojo desta reavaliação está a obra do fotógrafo francês Guy Bourdin.
Uma importante retrospectiva no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura), em São Paulo, permite agora (re) descobrir porque Bourdin é, com Helmut Newton, o nome mais influente da fotografia de moda da segunda metade do século 20.
O vernissage (para convidados) acontece hoje. A partir de amanhã (até o dia 31), a exposição "A Message For You" (uma mensagem para você) estará aberta ao público, com 170 fotografias (sendo 100 polaroids) e três filmes, realizados entre os anos 1950 e 1990.
A curadoria internacional é de Shelly Vertheime, que está no Brasil para a montagem, junto com o único filho de Bourdin, Samuel (leia entrevista nesta pág.). A curadoria nacional é de Chico Lowndes, organizador do projeto Iguatemi Photo Series, que já trouxe ao país mostras dos fotógrafos David LaChapelle e Rankin.
O parisiense Bourdin (1928-1991) queria ser artista plástico. Começou sua carreira como desenhista e pintor. Sua primeira exposição foi apadrinhada por Man Ray. Pouco a pouco, ele se encaminhou para a fotografia e tornou-se um dos nomes centrais da "Vogue" francesa, onde trabalhou por mais de 30 anos. Suas imagens para campanhas de grifes, como Charles Jourdan, Chanel e Issey Miyake, revolucionaram a publicidade de moda.
"Foi Bourdin quem trouxe o sexo pela primeira vez como elemento da fotografia de moda. Ele teve liberdade de fazê-lo, pois viveu numa época em que não havia o policiamento moral do politicamente correto. Sua obra influenciou vários fotógrafos posteriores, como Nick Knight", explica Lowndes.
Colorista notável, Bourdin trabalhava com impactantes contrastes. A construção das imagens -volumes, linhas e cortes- eram de um rigor a toda prova. Mas a principal novidade da obra do fotógrafo foi seu imaginário, em boa parte herdeiro dos surrealistas.
Suas fotos são como "narrativas" perversas, com provocações de todo tipo: situações em que o glamour se mistura com o perigo, o sexo com o humor, a moda com o absurdo. As modelos surgem em posições inusitadas, desfalecidas ou em conexões estranhas com as coisas, frequentemente erotizadas.
Os corpos são exibidos como pedaços, objetos parciais ou fraturados, em composições que questionam o voyeurismo contido na própria fotografia e até mesmo a mercantilização do corpo feminino. Em imagens ousadas, que causaram forte impacto na época, Bourdin inventou situações extremas, com modelos que pareciam mortas ou surgiam em ambientes de crimes e torturas, evidentemente fantásticos.
Com Bourdin, a fotografia de moda saiu, enfim, da idade da inocência e descobriu os labirintos do inconsciente.

"Meu pai tinha grande amor pela história da arte", diz Samuel Bourdin

Perfeccionista e exigente, Guy Bourdin deixou vários mitos a seu respeito, como o de que teria mandado destruir todos os seus trabalhos. "Isso não é verdade", afirma o único filho do fotógrafo, Samuel, 42, que está no Brasil para a exposição, acompanhado dos dois brasileiros que trabalham em sua equipe, Oswaldo Costa e Amanda Monteiro. Casado com uma brasileira, com quem teve uma filha, Samuel é o herdeiro da obra de Bourdin e também das pinturas. "Ele pintou a vida inteira, tinha um grande amor pela história da arte. Por isso, há pessoas que o demonizam. Não entendem que ele vem de outro lugar que não a moda", diz.

 

FOLHA - Como Guy Bourdin trabalhava? É verdade que era cruel com as modelos?
SAMUEL BOURDIN - Ele não era cruel. Era muito exigente, consigo mesmo e com os outros. A realização de uma foto poderia durar um dia inteiro, porque ele também trabalhava a mise en scène com as modelos, a fim de deixá-las à vontade para a construção da imagem. Seu estúdio no Marais [bairro parisiense] parecia um décor de Fellini, eu me lembro bem. Ele era obsessivo, mas não tirânico.

FOLHA - Como ele via a fotografia de moda, em relação à pintura?
SAMUEL - Ele dizia, brincando, que, quando uma pessoa não sabe o que fazer da vida, ela faz política ou fotografia. Em casa, nunca falava de moda. Visitávamos museus, andávamos de bicicleta... A moda, penso, foi algo que permitiu a ele criar uma ficção, contar uma história por meio das imagens. O fato de ter sido pintor durante toda a vida o levou a ter uma relação diferente com a fotografia. É o que faz com que suas imagens sejam verdadeiramente construídas, como uma pintura.

FOLHA - De onde vem o lado perverso das imagens de Guy Bourdin?
SAMUEL - Não acho perverso. São imagens que têm referências na história da arte, como o surrealismo ou o hiperrealismo. Fora isso, por que as mulheres compram batons e sapatos? Para se tornarem sedutoras. Suas fotos abordam esse aspecto da moda, com um pouco de humor também e um desejo de provocar os burgueses.

FOLHA - Por que seu pai quis destruir todos os negativos de sua obra?
SAMUEL - Isso não é verdade. Tanto assim, que ele disse ao seu advogado que as fotografias é que me permitiram viver no futuro. Também não destruiu seus quadros, que estão em meu poder. São cerca de 30, e os considero magníficos. São obras figurativas, entre Balthus e Magritte.

FOLHA - Ele chegou a vir ao Brasil?
SAMUEL - Sim, no final dos anos 50 ou início dos 60. Talvez para fazer algo para a "Vogue". Ele me contou que foi furtado na praia. Levaram seu relógio.


A MESSAGE FOR YOU

Quando: a partir de amanhã, de. ter. a dom., das 10h às 19h; até dia 31/8 Onde: MuBE (av. Europa, 218, tel. 0/xx/11/2594-2601)
Quanto: entrada franca
Classificação: 12 anos

com VIVIAN WHITEMAN


Texto Anterior: Cinema/Estreias/Crítica/"Aquele Querido Mês de Agosto": Diretor faz ótima estreia filmando Portugal
Próximo Texto: Musical faz rir com preconceitos de fantoches
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.