São Paulo, Terça-feira, 14 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SHOW CRÍTICA

"É o Tchan" faz matinê para crianças assanhadas

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Não existe banda mais erotizada que "É o Tchan". Em seu disco "É o Tchan no Havaí", havia 11 músicas que tinham uma referência ao traseiro feminino. As mulheres eram tratadas pelos codinomes "ordinária" e "safada". Eram.
No novo álbum, "É o Tchan na Selva", contei, por alto, apenas quatro referências ao popô feminino. E os cantores Beto Jamaica e Compadre Washington mostram-se mais gentis. Em quase todas as letras, há a presença dos verbos subir e descer impregnados de duplo sentido. "E na sacanagem, vai pegando no ponteiro, vai descendo até em baixo, vai subindo bem ligeiro...", diz a música "Trim Trim".
As dançarinas da banda já estiveram em pêlo em pelo menos cinco edições da revista "Playboy" em que foram capa. Aliás, a edição de setembro da revista é com as dançarinas atuais, Scheila Carvalho e Sheila Mello. É patética a foto em que as duas sorriem e arrebitam os bumbuns que contribuíram para a venda de 10 milhões de discos. O que mais não está à venda nesta banda peculiar? "Faz aparecer a marquinha, faz aparecer a bundinha, faz aparecer, danadinha", cantam os patrões Beto e Compadre ("Abra Cadabra").
Esperava-se, então, que a banda circulasse pelos garimpos e boates da boca-do-lixo. Nada disso. Faz shows em casa de prestígio, como o último, na Via Funchal, e, curiosamente, apresentam sessões matinê, para o público infanto-juvenil, antes do sol se pôr.
E muitas criancinhas assanhadas compareceram, imitaram as danças, rebolaram, sacolejaram os quadris, algumas (porque 95% eram meninas) imitavam direitinho, outras eram um desastre. Muita criança. Pré-adolescentes. Levadas pelos pais. Tudo brincadeirinha?
Não precisa ir muito longe para descobrir que o brasileiro é um povo diferente. Não existe um discurso coerente que explique o sucesso desta verbalização maliciosa e transparente. Não existe uma pesquisa séria que aponte os benefícios ou prejuízos de uma sensualização precoce. Não se sabe os resultados do efeito Xuxa, não se saberão os do efeito Tchan.
Graças a sabe lá quem, não existem mais, no Brasil, cruzadas moralistas ou passeatas de senhoras puritanas que exigem o controle da expressão de seu povo. Graças a sabe lá o quê, não existe mais, no Brasil, um órgão que exige cortes, sugere mudanças e indica o que é publicável ou não. É pra lá de saudável um povo que não esconde seu corpo, cultua a beleza, a ginga, a música, e que andou por essas bandas peladão, durante mais de 10 mil anos.
"É o Tchan" é um negócio lucrativo. Sacou que cativava a criançada. Infantilizou mais ainda suas letras. Seus álbuns são temáticos. O cenário do show parece um parque de diversões. Neste último, tem elefante e coqueiros de mentirinha.
Criança sabe muito bem onde é o bumbum, popô, pipi etc. E "É o Tchan" aponta para uma direção: que arrebitar, rebolar, subir e descer é bonito e dá dinheiro. Os defensores do estilo Tchan dizem que quem malicia são os adultos. Mas que é estranho ver tanta menininha rebolando, é.


Texto Anterior: Show: Paulinho e Toquinho se reúnem
Próximo Texto: Televisão: Emmys de "O Desafio" e "Ally McBeal" consagram David Kelley
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.