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"Quando a vida se degrada, só a revolução"
DA COLUNISTA DA FOLHA
DO ENVIADO AO RIO
Leia a seguir trechos da entrevista com Oscar Niemeyer e José
Carlos Süssekind.
(DL e CEM)
Folha - O livro "Conversa de Amigos" traz as cartas trocadas entre
um dos principais arquitetos do
mundo e o engenheiro que o ajudou a construir boa parte de sua
obra. Mas vocês acabaram não falando muito de arquitetura...
Oscar Niemeyer - Eu sempre digo
que não dou muito importância
para a arquitetura. Importante
são as pessoas. O dia em que a vida for mais humana, mais solidária, aí sim os prédios vão ter um
feitio diferente.
José Carlos Süssekind - De início,
tentei me disciplinar para servir
de escada, para fazer Oscar tratar
de um abecedário de temas importantes. Mas logo a conversa
adquiriu sua própria dinâmica.
Fizemos flashbacks, fomos até o
Egito Antigo e a Renascença e voltamos. No fim, o assunto de que
menos falamos foi arquitetura e
engenharia.
Folha - Na correspondência de
vocês, que tratou de tantos temas,
de Eça de Queirós até cosmologia,
existe um assunto sempre presente
que é a crítica ao capitalismo, não?
Niemeyer - O regime capitalista
nunca nos abriu uma brecha para
o mundo melhor que queremos.
Existe nele aquela coisa americana em cima da gente. Sobra pouco. Eu tenho que me manifestar.
Antes das eleições me perguntaram quem eu queria para presidente e disse que ou o (Leonel)
Brizola, porque é um batalhador,
ou o (João Pedro) Stédile, que é do
único movimento importante no
Brasil de hoje, o MST.
Folha - O sr. está apoiando nesta
eleição o Ciro Gomes. Como o sr. está vendo o processo eleitoral?
Niemeyer - Nestas eleições, estou
sem o entusiasmo dos outros
tempos. Não estou muito animado porque eu acho que ninguém
vai resolver o problema. Um candidato bom até pode melhorar,
como foi o Juscelino, mas a miséria continua, a discriminação
continua. Acho que tem que mudar o regime. Não posso ver o que
vai acontecer no Brasil com otimismo, entusiasmo, se eu tenho
só o Ciro. Sinto falta do Partido
Comunista Brasileiro ter mais espaço na TV para falar suas idéias.
Nós queremos virar a mesa, mudar o mundo.
Folha - O sr. escreveu que é favorável à revolução.
Niemeyer - Eu sempre digo que
quando a vida se degrada e a esperança sai do coração dos homens,
só a revolução.
Folha - Armada?
Niemeyer - Se for preciso, sim. Se
invadissem a Amazônia, por
exemplo, é claro que sim. Se a soberania for ofendida vamos todos
nos unir. E aí, quem sabe? Não
que queiramos a noite para aparecer o dia, queremos melhorar,
acabar com a miséria, com a discriminação social.
Nós precisamos usar aqui o
exemplo do Fidel. Um país que
era completamente desmoralizado, colônia americana. Um grupo
se reuniu, foi para montanha, depois veio a revolução. Você vai lá e
ele está no meio do povo. É um
sujeito muito bom, é um líder da
América Latina.
Ele veio uma vez aqui de noite.
Quando ele foi embora, o elevador enguiçou. Então, ele teve de
entrar num apartamento para pegar o outro. Imagine o casal no
apartamento ao lado quando
abriu a porta e viu o Fidel.
Folha - O sr. se considera esperançoso com o comunismo?
Niemeyer - Sim. O que se passou
na União Soviética foi um acidente de percurso. Outro dia veio um
soviético falar comigo. Perguntei
a ele o que ele pensava de Stálin.
Ele disse que estava de acordo
com tudo o que ele fez. De modo
que a idéia não acabou. Está no ar.
Süssekind - Uma coisa sobre a
qual escrevemos muito, e na qual
concordamos os dois, é que queríamos que os governantes brasileiros fossem nacionalistas. Não
no sentido fascista, mas queríamos alguém nacionalista. Vai ser
preciso. Seja lá quem for pegar o
país terá a dívida enorme, além de
toda a pressão da Alca, tema bem
presente nas nossas cartas.
Folha - O sr. preferia uma ditadura ao nosso regime atual?
Niemeyer - O Juscelino fez um
governo bom. O momento com
uma possibilidade real de mudança foi o do Jango, mas aí tiraram ele. Acho que o presidente
não precisa ser fantástico. Tem de
ser sensato, patriota, nacionalista,
corajoso, generoso e se cercar de
gente competente. As soluções
devem ser tomadas em conjunto.
Folha - Qual o balanço que o sr.
faz do governo FHC?
Niemeyer - Acho que ele é um
sujeito inteligente, mas ele se
adaptou, não sei porquê. Ele teve
momentos da vida nos quais admirava o Lênin, o Marx. Depois
não sei o que aconteceu. Mas eu
não gosto de criticar as pessoas.
Eu sempre digo que as pessoas
têm sempre um lado bom. Outro
dia um amigo disse que Lênin dizia que bastava 10% de qualidades
boas para o sujeito ser bom.
Süssekind - Oscar adorou isso.
Com isso, ele encaixou a todos.
Folha - Como foram os encontros
que o sr. diz no livro que teve com a
guerrilha colombiana, em 2001?
Niemeyer - Do governo eu não
posso dizer, porque eu tenho certeza que eles estão com a razão.
Eu acho que essa campanha contra a droga devia terminar com a
oficialização da venda de droga.
Eu acho que cada um tem de tomar suas decisões sobre droga. Eu
não tenho nada contra isso.
Folha - O sr. já tomou droga?
Niemeyer - Não... (silêncio). Só
lança-perfume. Mas acho que
quem quer tomar, toma. A vida
não é tão importante assim para
não se poder fazer nada.
Folha - O sr. tem fama de já ter sido boêmio...
Niemeyer - Ah, já fui, e muito.
Quando eu fui para Brasília, por
exemplo, não levei só intelectuais.
Levei um amigo que estava na
pior. Levei um médico que não
sabia nada de medicina, mas era
divertido. Eu sabia que de noite eu
não ia ficar discutindo arquitetura. Eu queria era conversar, beber,
tomar um porre.
Folha - O sr. parece desprendido
materialmente. O sr. não tem ou
teve nenhum sonho de consumo?
Niemeyer - Não. Ninguém sabe,
mas este escritório está hipotecado. Houve um problema com o
Imposto de Renda. São R$ 180
mil. Fiz um acordo com a Receita
e vou pagar R$ 10 mil por mês.
Meu avô foi ministro do Supremo
por muitos anos e morreu sem
nada. Estou muito satisfeito. Já
disse que teria vergonha de ser
um homem rico.
Folha - Mas como o sr. não ficou
rico depois de mais de 500 obras,
boa parte delas monumentais?
Süssekind - A metade do que ele
fez, ele não cobrou. A metade que
ele cobra, ele cobra a metade.
Folha - Se o sr. não precisasse do
dinheiro parava de trabalhar?
Niemeyer - Escolheria mais. Trabalho porque tenho casa, família,
tenho muito gente que eu ajudo.
Tenho que continuar, tenho que
trabalhar, não tenho dinheiro.
Folha - Em quantos projetos o sr.
está envolvido hoje em dia?
Niemeyer - Tem um monte de
projetos. São umas dez, 12 coisas
diferentes. Os prédios do Caminho Niemeyer, em Niterói (RJ),
são vários. Tem ainda um museu
que estou fazendo com Süssekind
no Paraná que vai ser espetacular.
Não digo em importância não, é
porque é uma obra complicada.
Folha - Quanto mais complicada
vocês gostam mais, não?
Süssekind - Eu gosto. Quer dizer,
as coisas do Oscar sempre são
complicadas no atacado. Porque
ele tem horror do complicado ao
varejo, de fazer uma varandinha,
um recortadinho. Os prédios dele
são complicados, mas com um
problema só. E ele mostra que um
projeto para ser monumental não
precisa ter sei lá quantos metros e
custar caríssimo. O museu de Niterói, por exemplo, que não tem
coisa mais badalada, custou R$ 5
milhões. O Guggenheim que vão
fazer aqui custa US$ 150 milhões.
Folha - E qual a opinião do sr. sobre o Guggenheim que querem fazer no Rio?
Niemeyer - Nunca falei nem quero falar mal de colegas.
Folha - E do Rio de hoje, o que o
sr. pode falar?
Niemeyer - Esses dias eu recebi
um livro de fotografias antigas da
cidade. Tem ela no passado e agora. Dá a impressão de que a cidade
de antes era mais feliz, de acordo
com a natureza, a praia respeitada, a encosta também.
Folha - E Brasília, o sr. tem ido lá?
Süssekind - Não. Não gosto. Prefiro ficar no meu canto. Brasília
sofreu a parte de arquitetura das
pequenas ruas. Tem muito anúncio nas paredes, por exemplo. No
meu tempo de Juscelino parávamos o carro e tirávamos tudo.
Folha - O sr. já se arrepende de algo que fez em arquitetura?
Niemeyer - Só do prédio das Nações Unidas, em Nova York. Eu
fiz um projeto e depois aceitei a
idéia de Le Corbusier de mudá-lo.
Não queria, mas aceitei.
Süssekind - Ele pecou por generosidade. Tem uma história nas
cartas de que uns anos mais tarde
o Le Corbusier encontrou com ele
e falou: "Oscar, como você é generoso", em referência a essa mudança no projeto.
Folha - O Süssekind diz que sua
catedral de Brasília é a síntese da
arquitetura do século 20. Que as
catedrais costumam ser rebuscadas e a sua não tem coluna, laje, pilar nem viga. O sr. também fez outros templos importantes. Ateu declarado, o sr. não tem nenhuma
crença religiosa?
Niemeyer - Não, para mim é ilusão. Mas não sou contra o povo
ter um religião.
Süssekind - É a frase do Mozart,
não é, Oscar? Se houver uma vida
depois da morte vai ser uma surpresa gratíssima, não é?
Niemeyer - É lógico.
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