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CRÍTICA
A TV só existe no limite da realidade
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Alguns leitores que opinaram sobre a coluna da semana passada ("O Sorriso Amarelo das Pegadinhas") acharam
por bem advertir que as pegadinhas são produzidas, ou seja, que
os transeuntes não estão desavisados e que recebem cachês (R$ 5
ou R$ 10) para, como dizem os
cariocas, pagar mico em frente às
câmeras de televisão.
Um pouco por falta de espaço,
um tanto por que o assunto ali
era outro, de fato a coluna não
mencionou que a espontaneidade das pegadinhas é, no mínimo,
suspeita.
Mas será que isso faz diferença?
A armação, certamente, não elimina nem o fato de as pegadinhas mexerem com o humor
mais sádico da maioria das pessoas. E, claro, agrava o dado de
violência e desrespeito à dignidade -a idéia de que as pessoas recebem remuneração para fazerem papel de bobas torna tudo
mais sórdido.
É que as pegadinhas pertencem
a um universo televisivo em que
os limites entre verdade e mentira, realidade e ficção, jornalismo
e armação estão borrados. São
programas, apresentadores e celebridades cuja existência depende da manipulação consciente e
programática desses limites.
Representação da verdade
Aqui, o medo da violência urbana torna-se um circo de horrores em programas em que procedimentos jornalísticos ganham
elementos de melodrama e filmes de ação. Lá, é a história comum de pobres amantes desencontrados que, apresentada e
narrada por uma loira rica com
ar compungido, assume proporções novelescas.
Adiante, a dor e o sofrimento
diante de uma desgraça são postos a nu, dissecados até perderem
seu sentido. O repórter que pergunta: "O que a senhora está sentindo?" para a mãe que perde o
filho quando desaba o barraco
quer tudo, menos a verdade
-ele quer o drama, a representação da verdade.
O que é verdadeiro, sob as luzes
fortes da TV, pontuado por música dramática, por narrações
bombásticas, por truques mal
disfarçados de câmera, por efeitos de edição reveste-se de um
matiz de histeria, de teatralização
que modifica seu significado.
Mas, melhor dizendo, talvez
quase tudo aquilo que acontece
na televisão esteja mesmo nesse
território embaçado, pouco preciso entre o real e aquilo que se
quer sugerir (ou impor) como
real.
Dois anos atrás (é 11 de setembro no momento em que a coluna é escrita), quando os prédios
do World Trade Center desabaram ao vivo diante de milhões de
espectadores, uma das sensações
coletivas mais marcantes, relatada em diversos depoimentos, foi
a de irrealidade, de estar vendo
não um fato, mas uma representação. Muitas pessoas expressaram esse efeito dizendo que a
queda das torres "parecia um filme". Não havia, naquele momento, nada menos real do que a
realidade.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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