São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 2005

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LITERATURA

Em "Umidade", lançado hoje, paulistano explora sexo em dez rounds

Reinaldo Moraes esgota o desejo

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

O rapaz que, num aeroporto, por acaso recolhe do chão uma bem provida carteira, esse rapaz, sim, faz. A garota deprimida e ciumenta que se encerra no banheiro, se não faz, ao menos já fez. O deslumbrado funcionário pouco exemplar da BigNet quer fazer, quer desesperadamente fazer. O sujeito sentado à cama, óculos de leitura pousados na ponta do nariz, bula de Viagra a tremelicar entre as mãos, não quer fazer, mas sua mulher sim.
O novo livro do paulistano Reinaldo Moraes parece ser diferente de seu primeiro, "Tanto Faz". "Umidade", que tem lançamento na noite de hoje, restaura a gênese de uma sociedade dominada por um irrefreável e ubíquo desejo, quando não uma ubíqua obrigação. Precisa, sem dúvida, é a epígrafe desse conjunto de contos, de palavras emprestadas do também paulistano Marcelo Mirisola: "O desejo cansa".
"É justamente o cansaço do sexo que está descrito ali. São coisas que permeiam muito a minha cabeça, um tema que me assombra e me visita desde que me conheço por gente", explica Moraes, que, tomados os padrões normais de desenvolvimento, deve conhecer-se por gente há cerca de 50 anos. Nesse aspecto, confessa identificação, ainda que sutil, com seus obcecados e neuróticos personagens, cujas pulsações parecem mais comandadas por outros batimentos, que não os do coração. Identificação esta que, senão imprescindível à criação literária, certamente pode ser considerada benéfica a ela, como demonstram os fortes contos de Moraes.
O próprio autor, entretanto, acaba por preferir distanciar-se de seus personagens, quando os situa socialmente. Admite ter esboçado em seus contos "uma percepção de como essa classe média de shopping vive o desejo, o tesão e as formas associativas que derivam daí". E, realmente, pululam de seu texto as referências à cultura de massa, em tudo o que nela remeta à beleza e ao consumo relacionado ao status. Unindo as pontas para encerrar o laço, completa-se o raciocínio de Moraes: "É evidente que a gente vive numa sociedade erotizada ao extremo, e ao extremo do comércio".
Faz-se necessária, todavia, uma interrupção. Convém, antes que seja tarde, registrar de uma vez por todas a ressalva que Moraes estabeleceu a quase todas as suas frases, ditas ou escritas, durante a entrevista que concedeu à Folha: "É muito tentador que tudo isso seja pensado como uma epítome da cultura contemporânea, mas eu não daria esse passo. Não se trata de uma perspectiva de sociólogo, de provar a tese com uma ficção rastaqüera".
De fato, da leitura dos dez contos de Moraes, o que fica não é sua interpretação do mundo ou as análises psicológicas que lhe caiba fazer. Dos inúmeros embates físicos, mentais ou verbais entre homens e mulheres, das histórias repletas das chamadas "ironias do destino" a que o mundo tanto nos submete, o que transborda é o humor escatologicamente sutil de Moraes (sim, às vezes mais escatológico do que sutil).
Contadas as piadas, terminadas as histórias, silenciado qualquer possível riso, desprezado qualquer eventual desgosto, resta a melancolia de saber que, quando o assunto é relacionamento, seja sexual ou amoroso, nada pode se resolver. No longo conto "Umidade", que não por acaso dá nome ao livro, uma passagem parece revelar-nos o conteúdo que subjaz às demais palavras: "Ele ficou em silêncio. Claro que ela tinha problema. Ele tinha problema. Todos tinham problema".
Para novamente impedir conclusões, Moraes cuidará de relativizar a idéia, ou ao menos de devolver-lhe algum humor. "Essa é uma idéia rodrigueana, do Nelson Rodrigues. Uma visão até um pouco sinistra do sexo. O sexo não é aquela coisa hippie, de algo que vem para te redimir, vem abrir as portas para a grande era de Aquário. É um pantanal, uma Louisiana depois do vendaval."
Hoje, o lançamento será na já literariamente tradicional Mercearia São Pedro (r. Rodésia, 34, SP, tel. 0/xx/11/3815-7200), que inclusive serve de cenário e empresta alguns personagens a um dos contos de Moraes, "Privada", já publicado anteriormente. O horário reflete a boemia do autor: o lançamento está marcado imprecisamente para o ambicioso horário entre as 18h e as 6h.


Umidade
Autor:
Reinaldo Moraes
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36,50 (256 págs.)


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