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LITERATURA
Em "Umidade", lançado hoje, paulistano explora sexo em dez rounds
Reinaldo Moraes esgota o desejo
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
O rapaz que, num aeroporto,
por acaso recolhe do chão uma
bem provida carteira, esse rapaz,
sim, faz. A garota deprimida e ciumenta que se encerra no banheiro, se não faz, ao menos já fez. O
deslumbrado funcionário pouco
exemplar da BigNet quer fazer,
quer desesperadamente fazer. O
sujeito sentado à cama, óculos de
leitura pousados na ponta do nariz, bula de Viagra a tremelicar
entre as mãos, não quer fazer, mas
sua mulher sim.
O novo livro do paulistano Reinaldo Moraes parece ser diferente
de seu primeiro, "Tanto Faz".
"Umidade", que tem lançamento
na noite de hoje, restaura a gênese
de uma sociedade dominada por
um irrefreável e ubíquo desejo,
quando não uma ubíqua obrigação. Precisa, sem dúvida, é a epígrafe desse conjunto de contos, de
palavras emprestadas do também
paulistano Marcelo Mirisola: "O
desejo cansa".
"É justamente o cansaço do sexo que está descrito ali. São coisas
que permeiam muito a minha cabeça, um tema que me assombra e
me visita desde que me conheço
por gente", explica Moraes, que,
tomados os padrões normais de
desenvolvimento, deve conhecer-se por gente há cerca de 50 anos.
Nesse aspecto, confessa identificação, ainda que sutil, com seus
obcecados e neuróticos personagens, cujas pulsações parecem
mais comandadas por outros batimentos, que não os do coração.
Identificação esta que, senão imprescindível à criação literária,
certamente pode ser considerada
benéfica a ela, como demonstram
os fortes contos de Moraes.
O próprio autor, entretanto,
acaba por preferir distanciar-se
de seus personagens, quando os
situa socialmente. Admite ter esboçado em seus contos "uma percepção de como essa classe média
de shopping vive o desejo, o tesão
e as formas associativas que derivam daí". E, realmente, pululam
de seu texto as referências à cultura de massa, em tudo o que nela
remeta à beleza e ao consumo relacionado ao status. Unindo as
pontas para encerrar o laço, completa-se o raciocínio de Moraes:
"É evidente que a gente vive numa
sociedade erotizada ao extremo, e
ao extremo do comércio".
Faz-se necessária, todavia, uma
interrupção. Convém, antes que
seja tarde, registrar de uma vez
por todas a ressalva que Moraes
estabeleceu a quase todas as suas
frases, ditas ou escritas, durante a
entrevista que concedeu à Folha:
"É muito tentador que tudo isso
seja pensado como uma epítome
da cultura contemporânea, mas
eu não daria esse passo. Não se
trata de uma perspectiva de sociólogo, de provar a tese com uma
ficção rastaqüera".
De fato, da leitura dos dez contos de Moraes, o que fica não é sua
interpretação do mundo ou as
análises psicológicas que lhe caiba
fazer. Dos inúmeros embates físicos, mentais ou verbais entre homens e mulheres, das histórias repletas das chamadas "ironias do
destino" a que o mundo tanto nos
submete, o que transborda é o humor escatologicamente sutil de
Moraes (sim, às vezes mais escatológico do que sutil).
Contadas as piadas, terminadas
as histórias, silenciado qualquer
possível riso, desprezado qualquer eventual desgosto, resta a
melancolia de saber que, quando
o assunto é relacionamento, seja
sexual ou amoroso, nada pode se
resolver. No longo conto "Umidade", que não por acaso dá nome
ao livro, uma passagem parece revelar-nos o conteúdo que subjaz
às demais palavras: "Ele ficou em
silêncio. Claro que ela tinha problema. Ele tinha problema. Todos
tinham problema".
Para novamente impedir conclusões, Moraes cuidará de relativizar a idéia, ou ao menos de devolver-lhe algum humor. "Essa é
uma idéia rodrigueana, do Nelson
Rodrigues. Uma visão até um
pouco sinistra do sexo. O sexo
não é aquela coisa hippie, de algo
que vem para te redimir, vem
abrir as portas para a grande era
de Aquário. É um pantanal, uma
Louisiana depois do vendaval."
Hoje, o lançamento será na já literariamente tradicional Mercearia São Pedro (r. Rodésia, 34, SP,
tel. 0/xx/11/3815-7200), que inclusive serve de cenário e empresta
alguns personagens a um dos
contos de Moraes, "Privada", já
publicado anteriormente. O horário reflete a boemia do autor: o
lançamento está marcado imprecisamente para o ambicioso horário entre as 18h e as 6h.
Umidade
Autor: Reinaldo Moraes
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36,50 (256 págs.)
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