São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009

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Veneza premia obra sobre o inferno da guerra

Em "Lebanon", o diretor Samuel Maoz revive sua memória de ex-atirador na Guerra do Líbano e põe a plateia dentro de um tanque

LEONARDO CRUZ
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

Samuel Maoz viveu 25 anos no limbo. Entrava e saia de crises depressivas, assombrado por ter participado da Guerra do Líbano (1982), por ter matado combatentes inimigos e civis. Usou o cinema como terapia. Após ver imagens do segundo confronto no Líbano, em 2006, pôs no papel as memórias do período e, por quase dois anos, elaborou o roteiro de "Lebanon", o grande vencedor do Festival de Veneza, encerrado neste final de semana.
"Desde que me formei em cinema, vivi fases muito sombrias. Trabalhava com publicidade, fazia o mínimo para sobreviver. Sempre que tentava escrever sobre minha experiência na guerra, sentia um cheiro de carne humana queimada. Ver na TV as cenas da nova guerra do Líbano foi como ver a reprise de um filme. Foi o empurrão que faltava", conta Maoz à Folha.
O filme mostra o ataque ao Líbano sob a perspectiva desse atirador e seus três colegas de tanque. Durante a entrevista e nos outros momentos em que a Folha o viu, Maoz tinha um semblante cansado, olhos vermelhos, e falava devagar. Parecia a reação física ao sentimento de culpa que o moveu.
"Tinha uma necessidade de descarregar o que vi e pedir perdão. Sinto alívio por ter conseguido liberar o que processei nestes anos e entender quem era aquele garoto que puxou o gatilho", diz o diretor, que estreia no longa-metragem aos 47 anos.
O cineasta afirma que não queria fazer um filme político, mas um depoimento pessoal sobre o inferno da guerra. "As combinações entre hiperrealismo e surrealismo, consciente e subconsciente, são produtos da minha mais profunda e dolorosa memória, em um processo de colocar a plateia no tanque."
Ainda assim, o longa não deixará de levantar polêmica. Na coletiva após a premiação, uma jornalista libanesa elogiou a obra, mas definiu uma cena como "propaganda militar israelense". Na passagem, um falangista, da milícia cristã local que apoiava Israel, leva ao tanque um prisioneiro libanês. "Nunca ouvi falar de nada parecido no sul do Líbano", declarou. "Desculpe, mas eu estava lá. Foi isso o que vi", respondeu Maoz.
Para o cineasta, não há heróis ou vilões em situações de conflito. ""A guerra é o bandido. Todo mundo que está no campo de batalha é vítima. As pessoas que foram mortas são vítimas, mas, muitas vezes, quem foi forçado a matar também é." Ele raciocina sob a ótica dos comandados, dizendo que a guerra põe o soldado num beco sem saída, em que ele se guia pelo instinto de sobrevivência e não por códigos morais. "A guerra cria uma fórmula em que, se você não atira, será um assassino, porque você e seus colegas serão mortos por sua causa. Se atira, também será um assassino." Para explicar esse ambiente opressor, o diretor submeteu o elenco a períodos de confinamento, em um contêiner. A produção batia com canos no contêiner, para simular os momentos de ataque. Para Maoz, o retorno a Israel foi tão duro quanto o conflito. "Você volta morto, vazio e paranoico", relembra o cineasta.
Maoz espera que, expurgado seu trauma, possa voltar ao tema em um novo projeto. "Lebanon" ainda não tem previsão de estreia no Brasil.

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