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Veneza premia obra sobre o inferno da guerra
Em "Lebanon", o diretor Samuel Maoz revive sua memória de ex-atirador na Guerra do Líbano e põe a plateia dentro de um tanque
LEONARDO CRUZ
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
Samuel Maoz viveu 25 anos
no limbo. Entrava e saia de crises depressivas, assombrado
por ter participado da Guerra
do Líbano (1982), por ter matado combatentes inimigos e civis. Usou o cinema como terapia. Após ver imagens do segundo confronto no Líbano,
em 2006, pôs no papel as memórias do período e, por quase
dois anos, elaborou o roteiro de
"Lebanon", o grande vencedor
do Festival de Veneza, encerrado neste final de semana.
"Desde que me formei em cinema, vivi fases muito sombrias. Trabalhava com publicidade, fazia o mínimo para sobreviver. Sempre que tentava
escrever sobre minha experiência na guerra, sentia um
cheiro de carne humana queimada. Ver na TV as cenas da
nova guerra do Líbano foi como
ver a reprise de um filme. Foi o
empurrão que faltava", conta
Maoz à Folha.
O filme mostra o ataque ao
Líbano sob a perspectiva desse
atirador e seus três colegas de
tanque. Durante a entrevista e
nos outros momentos em que a
Folha o viu, Maoz tinha um
semblante cansado, olhos vermelhos, e falava devagar. Parecia a reação física ao sentimento de culpa que o moveu.
"Tinha uma necessidade de
descarregar o que vi e pedir
perdão. Sinto alívio por ter
conseguido liberar o que processei nestes anos e entender
quem era aquele garoto que
puxou o gatilho", diz o diretor,
que estreia no longa-metragem
aos 47 anos.
O cineasta afirma que não
queria fazer um filme político,
mas um depoimento pessoal
sobre o inferno da guerra. "As
combinações entre hiperrealismo e surrealismo, consciente e
subconsciente, são produtos da
minha mais profunda e dolorosa memória, em um processo
de colocar a plateia no tanque."
Ainda assim, o longa não deixará de levantar polêmica. Na
coletiva após a premiação, uma
jornalista libanesa elogiou a
obra, mas definiu uma cena como "propaganda militar israelense". Na passagem, um falangista, da milícia cristã local que
apoiava Israel, leva ao tanque
um prisioneiro libanês. "Nunca
ouvi falar de nada parecido no
sul do Líbano", declarou. "Desculpe, mas eu estava lá. Foi isso
o que vi", respondeu Maoz.
Para o cineasta, não há heróis ou vilões em situações de
conflito. ""A guerra é o bandido.
Todo mundo que está no campo de batalha é vítima. As pessoas que foram mortas são vítimas, mas, muitas vezes, quem
foi forçado a matar também é."
Ele raciocina sob a ótica dos comandados, dizendo que a guerra põe o soldado num beco sem
saída, em que ele se guia pelo
instinto de sobrevivência e não
por códigos morais. "A guerra
cria uma fórmula em que, se
você não atira, será um assassino, porque você e seus colegas
serão mortos por sua causa. Se
atira, também será um assassino." Para explicar esse ambiente opressor, o diretor submeteu
o elenco a períodos de confinamento, em um contêiner. A
produção batia com canos no
contêiner, para simular os momentos de ataque. Para Maoz,
o retorno a Israel foi tão duro
quanto o conflito. "Você volta
morto, vazio e paranoico", relembra o cineasta.
Maoz espera que, expurgado
seu trauma, possa voltar ao tema em um novo projeto. "Lebanon" ainda não tem previsão
de estreia no Brasil.
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