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OPINIÃO
Chabrol fazia da mordacidade um disfarce
Cacá Diegues, expoente do cinema novo brasileiro, escreve sobre o precursor da nouvelle vague, morto anteontem, aos 80
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CARLOS DIEGUES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um poderoso coquetel cinematográfico de Balzac
com Hitchcock, da tradição
do realismo francês com o
melhor de Hollywood, temperado com a sofisticação
das modas culturais da Paris
dos anos 1950, cidade ressuscitada das misérias da guerra
e recuperada da distância da
América, o novo mundo.
Esta é uma possível receita
para entender o "cinema burguês" de Claude Chabrol,
morto em Paris, anteontem,
aos 80. Ele tinha os pés na
terra, onde raramente se
viam os do lírico François
Truffaut ou os do febril Jean-Luc Godard, líderes da nouvelle vague, movimento que
Chabrol ajudou a criar.
Chabrol já tinha sido companheiro de Truffaut e Godard, sob as asas de anjo de
André Bazin, na aventura
dos "Cahiers du Cinéma", revista de críticos que mudaria
a história do cinema francês
e contribuiria para modernizá-lo em todo o mundo.
SENSATEZ
Ali, Chabrol era dos mais
sensatos, à distância do sectarismo militante dos dois
"jovens turcos". Ele começou
na revista a veneração por
Hitchcock, a que Truffaut iria
em breve aderir.
Os "Cahiers" revelavam o
valor do mestre do suspense,
como fariam também com
Howard Hawks, William
Wyler, Nicholas Ray e tantos
outros que eram, para o gosto de Hollywood, meros funcionários de seus estúdios.
Os três primeiros filmes de
Chabrol, feitos entre 1958 e
1959, fazem parte do marco
fundador da "nouvelle vague". "Nas Garras do Vício",
"Os Primos", "Quem Matou
Leda?" iniciam a frenética filmografia de seu autor -cerca de 80 obras.
Num tom ao mesmo tempo
culto e bonachão, a ironia e a
mordacidade de suas histórias, o comportamento ambíguo e nem sempre moral de
seus personagens, as observações ferinas sobre o ambiente em que vivem, estão
sempre impregnados por
uma paradoxal identificação
amorosa do autor com o que
é "criticado". Como se ele,
em vez de um juiz moral desejoso de penalizar aquele
mundo, nos dissesse que, afinal, somos todos assim mesmo e precisamos de compaixão para nos entendermos.
Casado com uma herdeira
milionária, Chabrol foi o primeiro diretor da nouvelle vague a compreender a necessidade de se tornar produtor e,
portanto, senhor dos meios
de produção de seus filmes.
Pôde, inclusive, produzir
seus companheiros, dando a
oportunidade de estreia a diretores como Jacques Rivette.
Esse realismo visceral
atravessou sua obra e sua vida, dividida entre o trabalho
intenso e o gosto pelo bom vinho, pela boa mesa e pela
"bavardage", a conversa jogada fora que nunca deixou
de aparecer em seus filmes.
Depois de uma fase de certa desimportância, Chabrol
reaparece, em 1969 e em
1970, com duas obras-primas
à altura de seus primeiros filmes, "A Besta Deve Morrer" e
"O Açougueiro", cruéis visões de um mundo que nem
por isso ele deixa de amar.
Tanto quanto com Balzac e
Flaubert, Chabrol alimenta
seu cinema com o amor de
Guy de Maupassant por seus
medíocres personagens burgueses ou pequeno-burgueses, como se essa fosse mesmo a condição humana por
excelência e não uma mera
característica de classe.
Mais tarde, reconcilia-se
com sua própria tradição
pessoal, num impecável
"Madame Bovary", talvez o
mais belo de seus filmes, onde a maturidade do cineasta
se encontra com o frenesi juvenil da redescoberta de
ideias sempre novas.
MERGULHO NO TEMPO
Diferentemente de seus
outros companheiros de movimento e geração, Chabrol,
em seu mergulho no tempo
em que viveu, não se entregou ao romantismo surtado
de uns, nem ao formalismo
metafísico de outros.
Disfarçado por trás do espírito mordaz, do riso analítico, da narração serena, da
encenação quase sempre
clássica de seus filmes, havia
um cineasta que queria entender o seu semelhante,
sem precisar bajulá-lo.
CARLOS DIEGUES é cineasta. Diretor de
"Bye, Bye Brasil", entre outros, e produtor
de "5 X Favela - Agora Por Nós Mesmos"
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