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OPINIÃO
Capacidade de observação ferina e generosa revelou entranhas sociais
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Claude Chabrol foi um extraordinário cronista da burguesia contemporânea, não
por acaso chamado de "Balzac do cinema moderno".
Entre seus companheiros
da nouvelle vague, não tinha
a virulência iconoclasta de
um Godard nem o refinamento ascético de um Rohmer ou o lirismo de um Truffaut. Mas tinha uma capacidade única de observação,
ao mesmo ferina e generosa,
das infâmias do dia a dia.
A despeito da enorme variedade da sua produção, o
que mais parecia lhe interessar era o "fait-divers", a notícia cotidiana, geralmente policial, que, observada com
atenção, revela as entranhas
da sociedade e os desvãos da
subjetividade humana.
Sua obra teve duas fases
de grande brilho. A primeira,
de meados dos anos 60 a
meados dos 70, enfileirou filmes memoráveis, quase todos estrelados por sua então
mulher, Stéphane Audran:
"As Corças", "A Mulher Infiel", "O Açougueiro",
"Amantes Inseparáveis".
A outra fase fecunda de
Chabrol, marcada pela colaboração com outra grande
atriz, Isabelle Huppert, foi a
das últimas duas décadas.
Nesse outono do seu cinema, com um vigor temperado
pela experiência e pela sabedoria, Chabrol encarou temas como o aborto ("Um Assunto de Mulheres"), o ciúme
doentio ("Ciúme - O Inferno
do Amor Possessivo"), a violência de classe ("Mulheres
Diabólicas"), os mecanismos
envenenados da política ("A
Comédia do Poder").
À ALTURA DO HOMEM
Mas sua abordagem partia
dos fatos concretos e dos personagens, não de teses abstratas ou teorias gerais.
E seu olhar não se colocava arrogantemente acima do
ambiente humano observado. Por mais que sua crítica
fosse implacável, Chabrol
não esquecia que era um semelhante tanto das suas criaturas como dos espectadores
a quem as revelava.
Um cinema à altura e à medida do homem, em suma,
por um sujeito em quem o
elevado senso moral não excluía o respeito aos prazeres
da carne, tanto quanto aos
do espírito.
Em conformidade com
uma visão epicurista da vida,
Chabrol, ao contrário de um
colega como Godard, nunca
rejeitou o conforto e as facilidades da narrativa cinematográfica clássica, que ele conhecia como poucos.
Soube usar com originalidade e independência autoral os códigos do cinema de
gênero norte-americano, em
especial do policial.
Dava pouca importância à
distinção entre cinema autoral e comercial. Entre uma
obra-prima e outra, fez filmes
rotineiros e séries para a TV.
Mas nunca perdeu a classe,
mesmo quando filmava sob
encomenda ou tratava das
coisas mais sórdidas da vida.
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