São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004

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26ª BIENAL

Obras de oito artistas da África trazem tradição do retrato do continente

Fotógrafos africanos contrapõem escola alemã

EDER CHIODETTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Na miscelânea de obras de arte abrigadas sob o tema "Território Livre", da 26ª Bienal Internacional de São Paulo, está incluída a mostra de fotografia africana, baseada quase totalmente na forte tradição do retrato existente no continente.
A diáspora causada pela escravidão, as diversas etnias e a conflituosa divisão geopolítica do continente africano são alguns dos fatores que fizeram com que o retrato se estabelecesse como uma importante vertente para a pesquisa etnológica. Pelo retrato são fixados os traços étnicos e as marcas pessoais, além dos costumes e da cultura de uma população em conflito com sua identidade.
Para Simon Njami, o curador responsável pela edição do trabalho dos oito fotógrafos africanos -dos quais apenas quatro estão vivos- de sete países diferentes, o tema "Território Livre" deve ser interpretado como uma metáfora: "Não necessariamente se referindo apenas a espaços físicos mas também, mentais e psicológicos. Cabe a nós construirmos os espaços de liberdade que desejamos. Os espaços que não pertencem a ninguém também se chamam terra de ninguém. Nesse sentido, a África toda é uma terra de ninguém, no que diz respeito à política e à economia internacional. A África está ameaçada, mas parece que ninguém se importa".
Os retratos africanos, embora soem como um corpo estranho dentro do pavilhão da Bienal, pautado pela arte contemporânea, servem de contraponto para as "fotografias de registro" que dominam a maior parte dos trabalhos em fotografia e têm no alemão Thomas Struth seu mais influente representante.
Essa fotografia de registro, realizada com apuro técnico e ampliada em grandes dimensões, se assenta sob o conceito da captação do mundo visível com a menor interferência possível do fotógrafo na cena, o que gera um certo vazio pela frieza da abordagem.
A mostra africana, ao contrário, se estrutura a partir da paisagem humana, revelada nas faces de várias gerações. Aqui a direção de cena e a interação entre fotógrafo e fotografado é de vital importância. "Trata-se de uma abordagem inédita e radical do retrato", diz o curador-geral, Alfons Hug, que morou por três anos na Nigéria, nos anos 80.
O retrato clássico que era realizado entre os anos 50 e 60, em preto-e-branco, feito em estúdio com fundo neutro, como nas fotografias de Abderrame Sakaly (1926-1988), Mama Casset (1908-1992) e Cornelius Augustt Azzaglo (1924-2001), foi retomado pela contemporânea Eileen Perrier, mas desta feita utilizando fundos coloridos na frente dos quais as pessoas são retratadas dentro de suas casas.
Detalhe: o fundo de tecido não cobre toda a área da imagem, deixando entrever objetos da decoração, entre os quais muitos retratos de família fixados nas parede. Ao mesmo tempo em que reverencia a tradição, Eileen Perrier faz avanços na direção da ironia e da metalinguagem.
O mesmo avanço, porém, não se percebe nos auto-retratos de Samuel Fosso ou nas imagens de edificações abandonadas de Otobong Nkanga, entre outros trabalhos, que findam por enfraquecer a unidade da mostra.


26ª BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO. Onde: pq. Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3, tel. 0/xx/ 11/5574-5922). Quando: seg. a qui.: 9h às 22h. Sex. a dom.: 9h às 23h. Até 19/ 12. Entrada franca.


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