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ANÁLISE
Seu texto é seco, muito tenso, de clima surrealista
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Harold Pinter não é o primeiro dramaturgo a ganhar o Nobel de Literatura.
Luigi Pirandello em 1934, Jean-Paul Sartre (que tem em sua
obra várias peças teatrais) em
1964, Samuel Beckett em 1969,
Dario Fo em 1997 já o haviam
precedido na premiação. Em
todos os casos, são grandes autores. Pinter não é exceção. Seu
teatro marcou o nosso tempo.
Nascido em 1930 num bairro
de classe baixa do East End londrino, filho de um alfaiate judeu, Harold viveu os terrores
dos bombardeios nazistas em
Londres, uma experiência que
o marcou profundamente. Jovem precoce, já na escola lia
Kafka, cuja influência, aliás, é
perceptível em seu texto seco,
econômico e carregado de tensão e no clima absurdo, surrealista de suas peças.
Desde a juventude Pinter revelou-se um rebelde. Ganhou
uma bolsa de estudos para a
Royal Academy of Dramatic
Arts, mas abandonou-a. Quase
foi preso por se recusar a servir
no Exército. Começou na literatura como poeta, mas seguiu
para a dramaturgia. Suas peças
eram encenadas por vários
grupos, mas a crítica dividia-se.
"The Birthday Party" foi retirada do palco em menos de uma
semana. Era o começo de uma
hostilidade que se prolongaria
por algum tempo: "Críticos são
desnecessários", já disse Pinter.
Seu teatro baseia-se no diálogo e no jogo entre as palavras e
o silêncio. "Cada sílaba, cada
inflexão, a sucessão de palavras
é calculada com precisão", diz
o crítico teatral Martin Esslin,
que compara o texto pinteriano a um "balé lingüístico". Os
cenários são simples, freqüentemente uma só sala.
Conflitos familiares, obsessão, ciúme são temas freqüentes e abordados em peças como
"Volta ao Lar" (sua única publicada em português), história
de um "filho pródigo" trazendo a esposa para visitar os familiares -talvez a mais conhecida e a mais enigmática de
suas obras teatrais, vencedora
de vários prêmios. Pinter também escreveu peças para rádio
e TV e assumiu cargos de direção no teatro londrino.
Trata-se ainda de um intelectual militante, de trajetória iniciada com o golpe militar no
Chile, em 1973. Pinter chegou a
dizer que a política é mais importante que o teatro, mas suas
atitudes não primam pela coerência. Opôs-se à intervenção
dos EUA no Iraque, criticando
o presidente Bush; mas antes
disso, em 2001, juntou-se à defesa do ex-ditador iugoslavo
Slobodan Milosevic. Resultados de uma busca apaixonada
pela verdade, pela causa justa.
Diz Pinter que, na ficção,
"não há uma linha clara entre o
que é verdadeiro e o que é falso;
uma coisa pode ser falsa e verdadeira a um tempo. Como escritor, posso aceitá-lo, mas como cidadão tenho de me perguntar: o que é verdadeiro, o
que é falso?". Como cidadão,
talvez Pinter tenha se enganado
às vezes. Como dramaturgo,
nunca errou; ao contrário, suas
peças trazem mensagens humanas de pungente autenticidade. Um Nobel merecido.
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