São Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 2005

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ANÁLISE

Seu texto é seco, muito tenso, de clima surrealista

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Harold Pinter não é o primeiro dramaturgo a ganhar o Nobel de Literatura. Luigi Pirandello em 1934, Jean-Paul Sartre (que tem em sua obra várias peças teatrais) em 1964, Samuel Beckett em 1969, Dario Fo em 1997 já o haviam precedido na premiação. Em todos os casos, são grandes autores. Pinter não é exceção. Seu teatro marcou o nosso tempo.
Nascido em 1930 num bairro de classe baixa do East End londrino, filho de um alfaiate judeu, Harold viveu os terrores dos bombardeios nazistas em Londres, uma experiência que o marcou profundamente. Jovem precoce, já na escola lia Kafka, cuja influência, aliás, é perceptível em seu texto seco, econômico e carregado de tensão e no clima absurdo, surrealista de suas peças.
Desde a juventude Pinter revelou-se um rebelde. Ganhou uma bolsa de estudos para a Royal Academy of Dramatic Arts, mas abandonou-a. Quase foi preso por se recusar a servir no Exército. Começou na literatura como poeta, mas seguiu para a dramaturgia. Suas peças eram encenadas por vários grupos, mas a crítica dividia-se. "The Birthday Party" foi retirada do palco em menos de uma semana. Era o começo de uma hostilidade que se prolongaria por algum tempo: "Críticos são desnecessários", já disse Pinter.
Seu teatro baseia-se no diálogo e no jogo entre as palavras e o silêncio. "Cada sílaba, cada inflexão, a sucessão de palavras é calculada com precisão", diz o crítico teatral Martin Esslin, que compara o texto pinteriano a um "balé lingüístico". Os cenários são simples, freqüentemente uma só sala.
Conflitos familiares, obsessão, ciúme são temas freqüentes e abordados em peças como "Volta ao Lar" (sua única publicada em português), história de um "filho pródigo" trazendo a esposa para visitar os familiares -talvez a mais conhecida e a mais enigmática de suas obras teatrais, vencedora de vários prêmios. Pinter também escreveu peças para rádio e TV e assumiu cargos de direção no teatro londrino.
Trata-se ainda de um intelectual militante, de trajetória iniciada com o golpe militar no Chile, em 1973. Pinter chegou a dizer que a política é mais importante que o teatro, mas suas atitudes não primam pela coerência. Opôs-se à intervenção dos EUA no Iraque, criticando o presidente Bush; mas antes disso, em 2001, juntou-se à defesa do ex-ditador iugoslavo Slobodan Milosevic. Resultados de uma busca apaixonada pela verdade, pela causa justa.
Diz Pinter que, na ficção, "não há uma linha clara entre o que é verdadeiro e o que é falso; uma coisa pode ser falsa e verdadeira a um tempo. Como escritor, posso aceitá-lo, mas como cidadão tenho de me perguntar: o que é verdadeiro, o que é falso?". Como cidadão, talvez Pinter tenha se enganado às vezes. Como dramaturgo, nunca errou; ao contrário, suas peças trazem mensagens humanas de pungente autenticidade. Um Nobel merecido.


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