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O senhor da guerra
Obcecado por casos mórbidos, Errol Morris fala sobre seu novo filme, um estudo das imagens de tortura na prisão de Abu Ghraib
Divulgação
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O documentarista, diretor de "Procedimento Operacional Padrão", que venceu o Urso de Prata em Berlim e será exibido na Mostra Internacional de SP; o filme deve estrear nos cinemas no dia 31
CRISTINA FIBE
DA REPORTAGEM LOCAL
Errol Morris, 60, é obcecado
por assassinatos e casos mórbidos. Ex-investigador de polícia,
há 30 anos o americano usa o
cinema para aprofundar o estudo de personagens psicopatas
e/ou bizarros.
Não é difícil entender, portanto, por que Morris não ficou
parado diante das imagens de
abusos cometidos por militares
dos EUA contra iraquianos na
prisão de Abu Ghraib, que se espalharam pela web em 2004.
"Bodes expiatórios" dos altos
escalões, os soldados falam à
câmera de Morris na tentativa
de justificar as imagens.
O resultado é o cortante
"Procedimento Operacional
Padrão" -nome que se dá, na
Justiça americana, às práticas
"aceitáveis" em interrogatórios-, exibido na Mostra Internacional de SP e que deve estrear
nos cinemas no próximo dia 31.
Com ele, Morris, que já ganhara um Oscar, em 2004, por
"Sob a Névoa da Guerra", foi
premiado com o Urso de Prata
em Berlim.
Dos EUA, o diretor contou à
Folha que seu próximo filme
será uma comédia ficcional e
que deve transformar seu blog
em livro (morris.blogs.nytimes.com).
FOLHA - Como você convenceu os
militares a falar com naturalidade?
ERROL MORRIS - Isso é parte do
que faço desde o começo como
cineasta. Me disseram, anos
atrás, que minhas entrevistas
eram muito diferentes das outras. Acho que há uma série de
razões para isso. Não preparo
perguntas e respostas, não é como se o que eu tentasse encorajar fosse uma resposta a uma
questão específica. Estou muito mais interessado em um jorro de consciência, narração.
Sim, ocasionalmente se ouve
a minha voz fazendo uma pergunta. Mas a idéia principal é
não ter um entrevistador ou
um narrador.
FOLHA - Eles deram as entrevistas
após serem julgados nos EUA?
MORRIS - Sim, bem depois, porque muitas daquelas pessoas
estavam na prisão [nos EUA,
condenadas por tortura], e eu
não tinha acesso a elas.
FOLHA - Por que você escolheu não
entrevistar as vítimas?
MORRIS - Tentei, na verdade.
Mas não consegui achar as pessoas das fotos. Pareceu-me inútil entrevistar qualquer prisioneiro de Abu Ghraib. É tudo direcionado pelas fotos, e as pessoas a entrevistar eram "Gus",
o sujeito na coleira, na famosa
foto de Lynndie England, e o
homem com o capuz, [preso] na
caixa com os fios [elétricos].
Não consegui achá-los.
FOLHA - E o que foi feito para encontrá-los?
MORRIS - Pagamos pessoas em
Bagdá, tentamos investigar,
tentamos, é claro, apelar aos
militares, mas não adiantou. Se
tivesse achado aqueles dois prisioneiros eu os teria colocado
no filme... O problema é que o
Iraque está em um estado de
caos, não está claro se os prisioneiros gostariam de falar, mesmo se fossem encontrados. De
fato, e essa é uma história diferente, houve um impostor que
se apresentou como aquele que
ficou preso com um capuz. Ele
ficou preso em Abu Ghraib,
mas não era aquele homem.
FOLHA - Você se arrepende de não
ter conseguido colocar o ponto de
vista das vítimas no filme?
MORRIS - Não, de jeito nenhum.
Eu gostaria de tê-lo. Se me arrependo? Não. Não há dúvidas na
minha cabeça de que Abu
Ghraib foi um lugar ruim e de
que as pessoas foram torturadas lá. Isso não é uma questão.
FOLHA - E por que você volta a usar
reencenações neste filme?
MORRIS - Talvez seja uma escolha pobre de palavras, talvez eu
nunca devesse ter usado o termo reencenação. Porque não
estou reencenando nada... Voltemos ao exemplo de England e
a coleira. A reencenação foca na
coleira, para que você possa
pensar nela. [...] É um instrumento impressionista pedindo
que você pense naquilo.
FOLHA - Você acredita no que te
contaram? Por exemplo, quando England diz que não puxou a coleira,
acredita nela?
MORRIS - Sim! Acredito. E se ela
estava ou não puxando a coleira
é irrelevante. Não faz nada menos pior.
FOLHA - Como foi a distribuição do
filme nos EUA? Você enfrentou alguma censura?
MORRIS - O filme está sendo
lançado em formato DVD, e
muito mais pessoas vão assisti-lo. Acho que esse filme vai estar
conosco por muito mais tempo
do que as pessoas gostariam.
Censura? Não. Acho que o que
é tão assustador nos EUA é que
a mídia exerce uma autocensura. É um tempo muito louco na
América.
FOLHA - No que você está trabalhando agora?
MORRIS - Tenho trabalhado em
vários comerciais e comecei
outro filme...
FOLHA - Sobre o quê?
MORRIS - É minha tentativa de
fazer uma comédia em vez de
uma tragédia.
FOLHA - Mas é um documentário?
MORRIS - Na verdade, não, um
híbrido. É uma história real
mas, desta vez, estará do outro
lado da linha.
FOLHA - Sem investigação?
MORRIS - Terá um elemento investigativo. E é sobre uma ilha
no meio do Pacífico norte.
FOLHA - Isso é tudo o que pode
contar?
MORRIS - É... Não acho que deva
falar sobre isso demais, senão
não conseguirei realmente fazer o filme. E dá azar.
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