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Crítica/cinema/"Procedimento Operacional Padrão"
Filme limita retrato da tortura
Diretor restringe episódio de Abu Ghraib a aspectos morais, sem ligá-lo à política de governo dos EUA
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
São três as fontes de imagem de "Procedimento
Operacional Padrão": as
fotos que registram cenas de
tortura e humilhação de prisioneiros em Abu Ghraib, Iraque,
os depoimentos dos envolvidos
com essas fotos (torturadores e
assemelhados, chefes imediatos etc.) e reconstituições de
momentos específicos.
A fonte decisiva é a primeira,
já que as fotos, ao se tornarem
mundialmente conhecidas, colocaram em questão os procedimentos do exército norte-americano e de seus soldados.
A idéia da suposta superioridade moral da ação para caçar terroristas e depor um governo tido como ilegítimo ficou tremendamente enfraquecida.
A atitude dos oficiais seguiu
um padrão, digamos, universal:
culpar os pequenos (soldados,
cabos, sargentos) e isentar o
oficialato e o governo.
Mais do que revelar os maus-tratos, as fotos dão conta da banalidade que envolve o tratamento do tema. Algo tanto
mais assustador porque é o povo campeão da liberdade que
produziu tais aberrações (o que
permite supor que não seja diferente em outras prisões, como Guantánamo).
A segunda fonte de imagens é
o depoimento dos envolvidos.
Aquela moça, por exemplo, que
se celebrizou por sorrir e erguer o polegar ao constatar a
suprema humilhação de um
prisioneiro. Na tela, o que se vê
é outra coisa. Não se trata de alguém, em princípio, repulsivo.
Equivocada, certamente.
Amplitude
A soma dos depoimentos é
muito comprometedora e, com
efeito, deveria ajudar os EUA a
repensar suas políticas político-carcerárias que, bem mais
do que suas vítimas, tende a
desmoralizar a América (ou então proibir câmeras de foto e vídeo nesses locais).
A terceira fonte de imagens, a
esquecer, são as reconstituições verídico-estetizantes, que
funcionam como vinhetas para
suavizar e ritmar a narrativa.
É importante distinguir os
fatos da representação. Os fatos, impressos nas fotos, são inquestionáveis e infames. Revelá-los e confrontá-los com depoimentos de pessoas próximas, de um modo ou de outro, a
eles é por si um mérito do filme.
Não é menos verdade, no entanto, que Morris não consegue
mostrar a tortura como política
de governo, nem como pensamento articulado a outros aspectos da vida americana recente. Talvez não tenha se interessado por isso.
Ao tratar os personagens,
não lhes deu a amplitude que
um, digamos, Eduardo Coutinho dá aos entrevistados. É
provável que isso não lhe tivesse ocorrido. Fez um retrato estritamente funcional, destinado a demonstrar o que tinha em
mente sobre o episódio e as fotos. Ao não desenvolver hipóteses mais arrojadas do cinema
recente, como as mencionadas
acima, Morris pode ter levado
adiante um trabalho capaz de
repercutir junto ao público
americano. Mas, para tanto, ele
paga o preço de limitar seu trabalho a ocupar-se, basicamente, dos aspectos morais e jurídicos de um caso que é, possivelmente, a maior abominação conhecida do século 21.
PROCEDIMENTO OPERACIONAL
PADRÃO
Direção: Errol Morris
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Quando: dias 17, às 19h, no Cinesesc;
21, às 14h50, no Unibanco Arteplex; 28,
às 15h, no Espaço Unibanco; 29, às
20h40, no Espaço Unibanco Pompéia
Avaliação: bom
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