São Paulo, sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

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Música - Crítica/show

Led Zeppelin tem um reencontro com a sua antiga grande força

Ritmo está mais desacelerado, mas banda se preparou desde maio para apresentação; blues foi central no show

BEN RATLIFF
DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

Algumas bandas de rock aceleram o ritmo quando tocam suas canções antigas outra vez, décadas mais tarde. Tocar rápido é uma espécie de escudo: uma maneira de refutar a verdade inegável do envelhecimento, de todo aquele entusiasmo irrecuperável e aquela massa muscular perdida, e funciona como barreira contra a importância cultural reduzida de uma banda antiga.
Mas o Led Zeppelin desacelerou um pouco o ritmo. Na 02 Arena, em Londres, em seu primeiro concerto integral desde 1980 -sem John Bonham, que morreu naquele ano, mas com o filho dele, Jason, como seu substituto natural-, a banda reencontrou muito de sua força antiga em tempos mais graciosos do que os das velhas gravações ao vivo.
A velocidade das canções foi mais próxima à dos velhos discos da banda gravados em estúdio, ou menor ainda. "Good Times Bad Times", "Misty Mountain Hop" e "Whole Lotta Love" foram passeios confiantes e tranqüilos; "Dazed and Confused" foi um glorioso arrastado fatídico.
Tudo remete ao blues, em que se arrastar graciosamente é uma virtude e do qual o Led Zeppelin tirou metade de suas idéias iniciais. O vocalista da banda, Robert Plant, não quer que nos esqueçamos disso: ele apresentou "Trampled Underfoot" explicando sua conexão com "Terraplane Blues", de Robert Johnson, e mencionou Blind Willie Johnson como a inspiração de "Nobody's Fault But Mine". (Além disso, a banda passou dez minutos de deleite em cada uma de outras duas canções de blues de seu catálogo: "Since I've Been Loving You" e "In My Time of Dying".)
Ahmet Ertegun, a quem o concerto foi dedicado, teria ficado satisfeito -certo, como estava, da importância fundamental da música negra sulista para a cultura americana.
Ertegun, morto no ano passado, foi quem levou o Led Zeppelin a assinar com a Atlantic Records, e o concerto da segunda-feira foi um evento único em benefício do Fundo Educacional Ahmet Ertegun, que vai oferecer a estudantes de música bolsas de estudo em universidades dos EUA, da Inglaterra e da Turquia, o país de origem de Ertegun.

Abertura
Ao final do show de mais de duas horas, já era difícil recordar que qualquer outro artista havia se apresentado. Mas a banda foi precedida pela Bill Wyman's Rhythm Kings -um divertido show de R&B com vocalistas que se revezaram, como Paolo Nutini e Albert Lee, além de Paul Rodgers e Foreigner. Todos eles gravaram anteriormente para a Atlantic sob a direção de Ertegun.
A apresentação do Led Zeppelin foi marcada por uma espécie de serenidade em alto volume. Para começo de conversa, foi bem ensaiada: o planejamento e os ensaios vinham acontecendo desde maio.
Em lugar de seus guarda-roupas coloridos de tempos passados, os integrantes usaram sobretudo preto. Diferentemente de Mick Jagger, Robert Plant -que, aos 59, é o mais jovem dos membros originais- já não anda ou gesticula como uma mulher excitada.
Ele não consegue mais alcançar algumas das notas mais altas, mas, com a exceção de uma tentativa fracassada nesse sentido em "Stairway to Heaven", encontrou outras trajetórias melódicas adequadas. Cantou com autoridade e dignidade.
Quanto a Jimmy Page, seus solos de guitarra não foram tão frenéticos e articulados quanto eram no passado, mas isso reforçou o fato de que sempre foram secundários em relação aos refrães, que na segunda-feira foram enormes, fortes e gloriosos. (Mas Page não deixou de usar um arco de violino em seu solo em "Dazed and Confused", na maravilhosa e estranha sessão do meio da canção.)
O baixo de John Paul Jones ficou um pouco perdido na acústica do 02 Arena -como todos os espaços desse tipo, o 02, que tem lugar para 22 mil pessoas, não tolera bem as freqüências baixas-, mas formou um conjunto perfeito com Bonham. Quando se sentou para tocar teclado em "Kashmir", "No Quarter" e algumas outras canções, ele simultaneamente operou os pedais do baixo com seus pés, mantendo a mesma batida atrasada.
E o que dizer de Jason Bonham, o grande ponto de interrogação naquele que foi -não há como comprovar isso cientificamente, mas aceitemos que foi, sim- o reencontro de rock mais ansiosamente aguardado em uma era repleta desses reencontros?
Ele é especialista nas batidas de seu pai -uma enciclopédia ambulante de todas as variações delas, em todas as gravações existentes. E, excetuando-se alguns momentos pequenos em que acrescentou alguns toques, Jason Bonham se ateve ao som e ao clima do original.
As batidas no tambor de corda não tinham exatamente o mesmo timbre, aquele som bárbaro, reverberante. Mas, quando o show adentrou sua segunda hora e alguns dos problemas de som foram sendo corrigidos, o espectador se descobriu deixando de se preocupar com isso. Tudo acabou funcionando.
O Led Zeppelin já teve semi-reencontros algumas vezes no passado, mas sem muito sucesso: apresentações curtas e problemáticas no Live Aid em 1985 e no concerto do 40º aniversário da Atlantic Records em 1988. Mas este foi um concerto de reencontro no qual a banda investiu, apesar de não ter planos para uma turnê futura; entre as 16 canções apresentadas, houve uma que ela nunca antes havia tocado ao vivo: "For Your Life", do álbum "Presence".
O clima de emoção e excitação do público era extremo e genuíno; os urros da multidão entre um bis e outro foram devoradores. Ao final, enquanto os três membros originais agradeciam os aplausos, Jason Bonham se ajoelhou para fazer uma reverência diante deles.


Tradução de Clara Allain


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