São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Ilustrada 50 Anos

Consumo popular

Produtores e criadores brasileiros já pensam estratégias e conteúdo para conquistar um mercado em expansão, o da classe C

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Era um mega-chororô. Adolescentes, em sua maioria da classe C, pagando para ver um show internacional e chorando como se o mundo fosse acabar." O antropólogo Hermano Vianna, estudioso da cultura popular, assim descreve a apresentação da banda mexicana RBD, em novembro, no Rio.
E cita a paraense Calypso, outro fenômeno, para festejar "sucessos de massa que surgem sem aval de gravadoras ou de críticos de jornais". "Que bom que tais "elites" estejam perdendo o controle."
Números deixam claro que, se a atual crise global não inverter a lógica, a inserção da classe C no consumo cultural deverá ser um dos grandes desafios para produtores de música, cinema, TV e outras áreas nos próximos anos. Essa fatia da população brasileira, cuja renda familiar se situa, em média, entre R$ 726 e R$ 1.195, subiu de 33% para 54% entre 2003 e 2008 (Datafolha). Além de crescer, ganhou poder aquisitivo.
De acordo com o Ibope, entre 2003 e 2004, só 17% da classe C tinha acesso à internet. Entre 2007 e 2008, saltou para 34%.
Os assinantes de TV foram de 10% para 13% no mesmo período, e esse mercado trabalha para ampliar a nova clientela. Sabe que, uma vez que a classe AB está quase conquistada, a popularização é o caminho.
O presidente-executivo da ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), Alexandre Annemberg, diz que empresas do setor estão investindo em canais dublados. "O desafio é saber o que atrairá a "classe emergente", que já tem muito conteúdo na TV aberta."
Outra tendência é a criação de pacotes mais econômicos, com canais de custos baixos. "O preço das assinaturas ainda é uma barreira. Mas a oferta de TV com banda larga é atrativa, e a venda de computadores no país ultrapassou a de televisores. A TV fechada pode até ser vista como supérflua na classe C, mas a internet é uma ferramenta de inclusão social."
A inclusão digital da classe C mudará os rumos da produção cultural, para Rick Bonadio, produtor de Mamonas Assassinas, Charlie Brown Jr. e CPM 22. "A classe C, a grande consumidora de música, será cada vez mais importante no consumo de música digital, o negócio do futuro, graças ao maior acesso a celulares sofisticados, banda larga e players como o MP3."
Nessa virada, a classe popular tem outra importância: garantir sobrevida ao CD. "É um fã com muita identificação com o artista e, por isso, além de nem sempre poder ir a shows, ainda compra CD e DVD."
Produtor de filmes populares recordistas de bilheteria, como os de Xuxa, Padre Marcelo e Didi, Diler Trindade também busca na inclusão digital a solução para atingir a classe C. "Devemos vender filmes por downloads baratos, a uns R$ 3."

Cinema caro
Mas ele revela estar, por ora, deixando de lado a classe C como alvo em troca de filmes com perfil mais jovem e para exportação. "O cinema está caro, e essa classe se endividou comprando computadores, televisores de plasma, DVDs e home theaters. Não sobrou muito para ir ao cinema." Dados do Ibope mostram que há fundamento. De 2003/2004 para 2007/2008, a freqüência desse público no cinema caiu pela metade, de 14% para 7%.
Enquanto o cinema volta as lentes a novas formas de atingir a classe C, a TV aberta precisa garantir um caminho para não perdê-la. Ainda "reis" da mídia, os canais abertos são vistos por 97% da população, que ampliou em 30 minutos o tempo diário dedicado a eles nos últimos sete anos, segundo o Ibope (4h42/dia de janeiro a junho).
Mas, diante da parafernália tecnológica que invade os lares, "a ruptura vai acontecer", na opinião de Rubens Glasberg, editor da "Tela Viva", entre outras conceituadas publicações sobre TV e telecomunicações.
Para ele, o modelo de negócio da TV, hoje baseado no faturamento com publicidade, terá de mudar. "A digitalização e a ligação com a internet farão com que as pessoas vejam programação de forma não-linear, escolhendo o horário para assistir à novela sem comerciais. A questão será como ganhar dinheiro com isso."
Glasberg vê uma tendência de vulgarização na televisão, que vai ter de reduzir custos e se atrelar mais às classes C, D e E. "Não será possível manter uma novela, como hoje, com custo médio por capítulo de R$ 200 mil. Ou a TV acha um caminho ou vai para o beleléu."


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