|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Novo desenho põe em xeque "potência afetiva"
Designers falam em patrimônio visual e ideia de design como expressão do tempo
Momento atual permite convivência da sintaxe modernista com projetos vintage, de retomada de marcas do século passado
DA REPORTAGEM LOCAL
Mesmo sem saber que Lygia
Pape estava por trás dos biscoitos flutuantes nas embalagens
da Piraquê, várias gerações se
acostumaram a ver nos mercados a serialização geométrica
dos pacotes. Do mesmo jeito
que a lata de sardinhas Coqueiro, desenhada em 1958, ficou
mais de 40 anos em circulação.
É tempo suficiente para
criar, mais do que uma identidade corporativa, uma memória afetiva desse desenho. "O
que está em jogo não é tradição,
e sim afeto", postou Daniela
Name em seu blog, saindo em
defesa das embalagens que
marcaram sua infância. "Essa é
a base da história e da longevidade de um produto de design."
Tanto que gente como o publicitário paulistano Eduardo
Foresti guarda em casa as embalagens mais emblemáticas
que encontrou pela vida, dos
biscoitos Piraquê aos cosméticos Granado. "As pessoas se irritam quando muda algo com o
qual existe uma relação sentimental", diz Foresti. "Um
exemplo é a bala Chita, que era
um macaquinho. As pessoas se
ressentem dessas mudanças."
Quando a Varig decidiu substituir o desenho de um homenzinho voando pela rosa dos
ventos na cauda de seus aviões,
em 1962, pilotos se recusaram a
voar sem o Ícaro, e a empresa
foi obrigada a repintar o desenho no bico das aeronaves.
Mas pessoas também crescem, o tempo passa e marcas
precisam lutar para manter o
frescor. "Todas as empresas
precisam se manter na concorrência, que é fortíssima", analisa o designer André Stolarski.
"O problema não é a mudança, mas como ela é feita, porque
se o novo projeto perde uma característica que é distintiva em
termos de mercado ou patrimônio visual, está perdendo
feio, perde a potência afetiva."
Stolarski vê um retrocesso
nos novos pacotes da Piraquê e
da Coqueiro, mas elogia, por
exemplo, as mudanças da Pepsi, que reformou há pouco sua
logomarca e simplificou embalagens e identidade visual.
"Não faço parte do time que
fica lamentando essas coisas",
diz Chico Homem de Melo,
professor de design e autor de
livros-referência sobre o assunto no país. "Essa é uma visão de raiz racionalista, que
vem da Bauhaus, o design que
se colocava como eterno."
Longe de eterno, Homem de
Melo chama o design de "expressão de seu tempo". "Essa é
uma história de mudanças, não
de permanências", frisa. E lembra que parte da polêmica em
torno da aposentadoria de desenhos concretistas de Pape e
Wollner está ancorada num
momento histórico que passou.
"Esses artistas construtivos
achavam que a arte industrial
era a saída", diz Homem de Melo. "Então ir para o design não
era sair para outra coisa, era
mostrar para onde vamos."
Nessa linha, Willys de Castro, Hércules Barsotti, Waldemar Cordeiro, no Brasil, e nomes como El Lissitsky e Kurt
Schwitters, no exterior, também fizeram incursões no campo do design, sujeitos à mesma
passagem do tempo.
"É o curso das coisas, é natural que ideias novas tomem o
lugar das antigas", diz o artista
Rafael Lain, da dupla Detanico
& Lain, conhecida por sua atuação também no design. "Um
design feito há 50 anos responde a questões de 50 anos atrás,
que não são pertinentes hoje."
E esse hoje é um terreno
aberto. Convivem no design
contemporâneo a sintaxe modernista de Pape, Wollner e
Aloisio Magalhães e as formas
ornamentadas, rococó, dizem
alguns, do revival promovido
por empresas como a Fiat, que
voltou a usar a mesma tipografia de 1901 em sua logomarca.
"Tem um tom de humanidade, calor, que o design modernista não tem", diz Homem de
Melo. "Estamos vivendo um revival, ou talvez seja só voltar a
alguma coisa lá atrás e reinscrever isso na modernidade."
(SILAS MARTÍ)
Texto Anterior: Design aposentado Próximo Texto: Frase Índice
|