São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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Corpo devasso

Consagrado pela pornochanchada, o ator e diretor David Cardoso finaliza autobiografia e relembra suas aventuras sexuais

Tuca Vieira/Folha Imagem
Consagrado pela pornochanchada, o ator e diretor David Cardoso finaliza autobiografia e relembra suas aventuras sexuais


PAULO SAMPAIO
DA REVISTA DA FOLHA

Relativamente apaziguado depois de transar com mais de 800 mulheres no cinema e na vida real, o "rei da pornochanchada", David Cardoso, 60, já pode revelar: "Sempre fui muito ruim de cama. Era o tipo apressadinho, tinha ejaculação precoce e dificilmente dava duas seguidas".
Pornochanchada é aquele gênero de cinema feito no Brasil nos anos 70, começo dos 80, que juntava galãs escalados na rua, mulheres boazudas sem roupa, roteiros improváveis e orçamentos baratinhos. Era filme pornô com história, mas sem sexo explícito -expertise de David Cardoso.
Ator, diretor, produtor e um dos mais conhecidos empresários daquele gênero, Cardoso se orgulha de ter contracenado com Vera Fischer, Sandra Brea, Nicole Puzzi, Vera Gimenez, Matilde Mastrangi e a maioria dos símbolos sexuais da época; filmou também com Ira de Furstenberg, princesa e socialite do jet-set, ex-mulher do playboy Baby Pignatari e ex-namorada do príncipe Rainier de Mônaco (e também dele mesmo, Cardoso).
"Se eu tivesse nascido nos Estados Unidos, seria um Robert Wagner [astro da série "Casal 20"]", acha o ator, que veio ao mundo em Maracaju, cidade a 168 km de Campo Grande (MS).
Magoado com o que classifica de falta de memória do brasileiro, ele resolveu escrever uma biografia e "contar tudo". Está até contratando um advogado para enfrentar os eventuais processos.
"Eu falo de muita gente, é melhor me proteger", diz Cardoso, que, tudo indica, continua possuído pelo desejo de escandalizar.
O livro vai se chamar "Autobiografia do Rei da Pornochanchada - David Cardoso". O editor, Henrique de Medeiros, da Letralivre, de Campo Grande, faz mistério sobre o conteúdo. Diz que o lançamento será até fevereiro e enviou à reportagem apenas alguns trechos do texto; mas o próprio Cardoso adianta o que levou dois anos para escrever.
Empolgado com as lembranças do sucesso, lembra que faturou US$ 400 mil em apenas três meses de exibição do filme "19 Mulheres e um Homem" ("ficou mais tempo em cartaz no cine Marabá, do centro de SP, do que "O Poderoso Chefão'").
Entre 1974 e 1988, conta, fundou uma produtora e ganhou muito dinheiro; chegou a ter três aviões, quatro fazendas e muito prestígio como galã de cinema erótico.
Na ocasião, tornou-se personagem de si mesmo: chegou a transar com três mulheres diferentes, cada uma em um Estado, no mesmo dia. No auge do estrelato, por um curto período, foi o quarto maior salário masculino da TV Globo, perdendo apenas para Tarcísio Meira, Tony Ramos e Francisco Cuoco.
"Eu estava passando férias em Nova York, e me ligaram da TV Bandeirantes para fazer o papel principal da novela "Cara a Cara", que era uma tentativa deles de entrar no mercado da teledramaturgia. Eu disse que tinha acabado de chegar aos EUA e não voltaria, mas eles insistiram. Respondi que tudo bem, desde que me pagassem mais do que à protagonista, Fernanda Montenegro, e que colocassem o meu nome antes do dela nos créditos. Você acredita que eles toparam tudo? O nome da Fernanda aparecia depois, como atriz convidada. Tive que voltar das férias", conta, rindo, enquanto faz um churrasco em casa. Na varanda, há murais que misturam fotos de Marlon Brando e Matilde Mastrangi, heróis do halterofilismo e a cantora Alcione, Myke Tyson e um ex-prefeito de Campo Grande. Em muitas delas, ele, Cardoso, aparece quase sempre pelado.
Embora gostasse de atuar, ele preferia ser reconhecido como "homem de produção": "Eu criava até os títulos dos filmes, era especialista nisso."
Os títulos: "Noite das Taras 1 e 2"; "Corpo Devasso"; "A Freira e a Tortura"; "Possuídas pelo Pecado"; "A Ilha do Desejo".
David Cardoso não conseguiu ser um Robert Wagner, e agora talvez não dê mais tempo (nem mesmo para Robert Wagner). Ainda hoje inconformado com o fracasso de sua "carreira internacional", ele não sabe explicar direito onde errou.
Chegou a passar uma semana em frente à casa de Marlon Brando, tentando contato. Um dia, ele lembra, Brando saiu dirigindo o próprio carro, e Cardoso foi atrás.
""Mr Brando, I'm brazilian, I'm an actor...". Ele me deu um adeuzinho. Amo os EUA e tenho certeza faria sucesso lá", insiste.

Altos e baixos
As boas lembranças se alternam com mágoas que ele parece não superar. Cardoso nunca se conformou de ter ficado fora da novela "Pantanal". "Fiz todos os contatos da emissora com o Mato Grosso do Sul, arrumei a fazenda para locação, ia ser o galã, aí disseram que não daria. Me ofereci para ser o bronco; não quiseram. "O avô?", perguntei, mas nada..."
Nesse momento, a caminho do sítio onde morou durante 17 anos, a 8 km de Campo Grande, Cardoso começa a chorar, dirigindo um Ford Mondeo 1996 (seu outro carro é uma picape Mercedes Benz 1976, cuja caçamba foi cortada por ele mesmo).
"Fui vetado por um diretor moleque, irresponsável, chamado Jayme Monjardim. Não é o fato de não fazer a novela que me chateia, é de ser usado e jogado fora depois", conta. A reportagem telefonou para Monjardim, deixou recado com sua secretária, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
David Cardoso parece chorar e rir com a mesma facilidade (na vida real). Momentos depois de soluçar por causa de Monjardim, ele gargalha contando a história de como perdeu a virgindade:
"Se você me perguntasse quem eu queria ser, diria o Tony Ramos, que é bom moço, entrega o dinheiro que ganha na mão da mulher. Mas isso a gente não escolhe; eu sempre fui mais inquieto. Minha primeira experiência sexual foi com uma galinha."
Entre um arroubo de euforia e um espasmo de ressentimento, ele volta à ficção: "Queria que o [cineasta Quentin] Tarantino me chamasse para fazer um Bruce Willis careca [alusão ao filme "Sin City"]. Eu quero muito fazer [o filme, com o Tarantino] aqui no Pantanal. Tem lugar e tudo. O que você acha?", pergunta, sério.

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