Em "Mistérios Divinos", P. Craig Russell adapta conto sobre crime durante a concepção do universo

PEDRO CIRNE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando um anjo é assassinado, qual é o maior mistério: quem o matou? Como? Por quê? Ou como é possível acontecer um crime em um lugar tão perfeito quanto o paraíso em que os anjos vivem?
Essas perguntas, e algumas outras, são abordadas em "Mistérios Divinos", história em quadrinhos de P. Craig Russell que adapta um conto de Neil Gaiman.
Quadrinhos são quase o "berço" de Neil Gaiman. Ele começou a carreira como jornalista, mas foi como roteirista da série "Sandman" que se projetou.
Assumiu um super-herói esquecido, recriou o personagem, deixando inclusive o conceito heróico para trás, e o transformou em um marco nas HQs norte-americanas para adultos.
Gaiman "flertou" com outras áreas: dirigiu seriado para a TV e escreveu romances e livros de contos, como "Fumaça e Espelhos", onde "Mistérios Divinos" foi publicado originalmente.
O narrador desta história é Raguel, "a vingança do Senhor". É ele quem investiga o assassinato de um colega anjo.
O tempo e o lugar da história são indefinidos: basta dizer que o próprio universo ainda não havia sido criado.
Aliás, o crime ocorre durante a sua concepção, quando os anjos são projetistas preocupados com a formulação de conceitos tão abstratos quanto o amor e a morte.

Detalhismo
Trata-se de uma fábula de fantasia e suspense, em que Gaiman utiliza personagens tão diferentes dos homens como os anjos para abordar sentimentos tipicamente humanos.
Russell é um artista detalhista, conhecido por ilustrar histórias de fantasia ou épicos, como a adaptação para quadrinhos das aventuras de "Elric", de Michael Moorcock. Ele já havia trabalhado com Gaiman em dois momentos, ilustrando capítulos de "Sandman", com roteiros direcionados para a publicação em quadrinhos.
A tarefa de Russell desta vez era mais difícil: transmitir as descrições feitas em prosa por Gaiman de conceitos abstratos como o projeto de um universo em construção. As soluções que ele encontra, tanto para esses momentos como para as cenas mais prosaicas, são tão boas que chega a parecer que Gaiman imaginou a história como se soubesse que ela seria adaptada para quadrinhos. Não foi isso: a verdade, como constata quem lê "Mistérios Divinos", é que Russell é um grande artista, e que ele não se importa em encarar desafios, desde que seja para narrar boas histórias.