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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Vamos conversar?
O bom conversador não é apenas aquele que sabe falar; é, sobretudo, alguém que sabe ouvir
NÃO VALE rir dos neandertais.
Investigadores do Instituto
Max Planck, em Berlim, descobriram recentemente que os nossos antepassados já conversavam
entre si. O DNA não mente e o gene
que controla os músculos necessários para o efeito permitia que os homens-macaco tivessem momentos
de conversa nas suas cavernas.
A notícia só pode provocar inveja
aos contemporâneos. Porque "conversa", no sentido verdadeiro do termo, é fenômeno que raramente se
ouve ou vê. O caso é tão grave que o
ensaísta Stephen Miller dedicou tratado específico ao tema. Chama-se
"Conversation: A History of a Declining Art" (Yale, 336 págs.). A tese está resumida no título: dos Gregos
aos homens de hoje, a conversa,
sempre presente, foi recuando da
esfera pública e privada nos últimos
dois séculos. Os nossos grunhidos
seriam um insulto para a sofisticação dos neandertais.
Mas o que é uma "conversa"? A
melhor forma de responder à questão é formular outra: o que é, no fundo, um bom "conversador"? Para
Miller, existem cinco qualidades
que, ao longo da história, foram reconhecidas como essenciais.
Para começar, o bom conversador
não é apenas aquele que sabe falar; é,
sobretudo, alguém que sabe ouvir,
porque uma conversa não é uma sucessão de monólogos. A conversa é
uma dança que vive do envolvimento dos dançantes. A melhor forma de
não errar os passos é estar atento
aos passos dos nossos pares.
Em segundo lugar, o bom conversador entende que a conversa não
tem um fim determinado, exceto o
seu próprio fim. A conversa vale pelo prazer que retiramos dela, não pela ambição utilitária de chegarmos a
um ponto qualquer.
Em terceiro lugar, um bom conversador nunca fica na defensiva
quando os seus argumentos são
questionados. E por quê?
Quarto: porque o conversador
tem sentido de humor. Mas um sentido de humor que não se confunde
com a ambição cansativa de bombardear o interlocutor com sucessivas piadas: o humor é como certos
condimentos gastronômicos. Deve
ser usado com critério, caso contrário enjoa.
E, naturalmente, o bom conversador é polido, sem ser efeminado. A
rudeza raramente faz um bom conversador.
Cinco qualidades, enfim, que Miller vai relatando ao longo da história humana, para as concentrar no
século 18. Lemos as páginas do livro
e é difícil não sentir a distância que
nos separa de Paris ou Londres no
Século das Luzes. Em Londres, os
clubes de cavalheiros, por onde
deambulavam conversadores célebres como Samuel Johnson, Joshua
Reynolds ou Erasmus Darwin (avô
do famoso Charles), não permitiam
apenas a conversa regular que civiliza o espírito; a conversa era também
a base de descobertas científicas ou
experiências literárias.
E, em Paris, os salões alçaram a arte da conversa a alturas inigualadas.
Quando consultamos a "Encyclopedia", encontramos sob o tópico respectivo as três regras que competia
às "salonnières" fazer cumprir: não
ser demasiado entediante na conversa; discursar naturalmente e sem
afetação; e, de preferência, alternar
entre o frívolo e o sério.
Mas se o século 18 foi uma era de
grandes conversadores, ele também
revelou aqueles que acabariam por
determinar o declínio dessa arte. E
na história contada por Stephen Miller, é Jean-Jacques Rousseau quem
ocupa lugar central: o homem que,
abominando a cultura de salão, declarou guerra aos "artifícios" da sociedade. Para Rousseau, a sociedade
comercial falsificara a natureza humana. Caberia aos homens regressar à sua "autenticidade" natural, o
que implicava um afastamento da
polidez própria da vida em comum.
A herança de Rousseau ainda hoje
permanece entre nós. E permanece
sob dois extremos. De um lado, acreditamos que a "autenticidade" basta
como expressão de excelência e não
existe escritor, artista, participante
do "Big Brother" que não exerça genuinamente a sua própria genuinidade: o que interessa é "exprimir", e
não "sublimar", um feito que normalmente termina numa gritaria de
selvagens.
Mas a idéia de "autenticidade",
quando não conduz ao ruído extremo, conduz ao silêncio extremo: se
cada um obedece apenas à sua verdade interior, é impossível argumentar ou julgar a verdade interior
de cada um. O pensamento politicamente correto é a besta que resume
essa atitude.
E a conversa? Para o espírito do
tempo, a conversa é coisa de neandertais. A nossa "autenticidade" ainda não nos permite estar ao nível
dos macacos.
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