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Cássia Kiss estrela peça com olhar duro sobre família
Com direção de Ulysses Cruz, "O Zoológico de Vidro" é baseado em obra com tintas autobiográficas de Tennessee Williams
Peça, que costuma ser montada como "À Margem da Vida", estreia amanhã no Sesc Anchieta; sarcasmo dos diálogos é um diferencial
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
A atriz Cássia Kiss, 51, matriculou a filha numa "escola dificílima" do Rio para lhe garantir
a (suposta) preparação ideal
para o vestibular. A menina pegou recuperação em matemática e só escapa da reprovação se
ficar mais um ano no tal colégio. Mas não quer.
Pronto: com a pequena encruzilhada familiar, Cássia pôde entender o "gostar errado"
da mãe dominadora Amanda
Wingfield, sua personagem na
peça "O Zoológico de Vidro", do
norte-americano Tennessee
Williams (1911-1983). A montagem dirigida por Ulysses Cruz
estreia amanhã, em São Paulo.
"Eu, uma mulher moderna,
atriz, que leio muito, faço cagada em nome da felicidade da
minha filha. Preciso aprender a
ouvi-la. O autoritarismo de
Amanda é o jeito desgraçado
dela e de a grande maioria das
mães se relacionarem com os
filhos, por meio de um amor
que aprisiona", diz ela.
No texto, habitualmente encenado no Brasil como "À Margem da Vida", Amanda é uma
mulher de meia-idade abandonada por um tipo que "se apaixonou pelas chamadas de longa
distância e resolveu atendê-las
pessoalmente".
Ela incumbe o caçula, Tom,
funcionário de um depósito de
sapatos que é o arrimo da casa,
de encontrar um pretendente
para sua irmã, Laura. Por conta
de um defeito na perna, a jovem
desenvolve uma timidez patológica -seus confidentes solitários são os animaizinhos de
vidro de sua coleção, frágeis como sua autoconfiança.
E é assim, como um bicho
franzino e convalescente, que
ela é tratada pela mãe. Tom, de
seu lado, encarna o animal arisco, chucro, cujo instinto de liberdade Amanda tolhe permanentemente. Antes de deixar a
casa-jaula para viver de aventura (como fazem os heróis que
espia no cinema), ele deve encontrar "alguém que seja bem-intencionado -e que não beba"
para livrar a irmã da solteirice.
"Ele é um personagem em fuga. Seu grande desafio é sair da
tumba sem tirar os pregos, como vê um mágico fazer certa
noite em um show de variedades. Como deixar essa família
sem destruir tudo, sendo ele o
provedor?", explica Kiko Mascarenhas, que interpreta Tom.
Memória
A trama, ambientada na época da Grande Depressão (meados da década de 1930) em St.
Louis (Missouri), é narrada pela chave da memória. Um Tom
que rodou o mundo depois de
se filiar à Marinha Mercante
lembra, com uma nota de pesar, os entreveros com a mãe e a
solidão impenetrável da irmã.
A costura de cenas tem um
intuito claro: expiar uma certa
culpa -afinal, como pontifica
Amanda, "as coisas quase sempre acabam mal".
Em 1944, a primeira montagem de "O Zoológico de Vidro"
("The Glass Menagerie", no
original) projetou o nome de
Tennessee Williams na cena
teatral dos EUA. Consta que a
família do dramaturgo foi a
principal inspiração para o texto. A mãe dele teria servido de
molde a Amanda, e Tom seria o
alter ego do autor.
Laura, por sua vez, tem clara
origem em Rose, irmã de Williams que sofria de esquizofrenia e foi submetida (com autorização dos pais, para desgosto
do dramaturgo) a uma das primeiras lobotomias realizadas
nos EUA.
Em cena, essa matriz grave,
doída, é arejada de quando em
vez pelo sarcasmo dos diálogos
entre Tom e Amanda. Nas 12
apresentações "de aquecimento" em Indaiatuba (SP), conta o
elenco, a plateia se esbaldava
com a acidez das trocas.
Riso nervoso
"O público quase ria demais,
sobretudo no fim, quando a coisa toma ares de tragédia", diz
Cássia, que interrompe aqui
um hiato de sete anos no teatro.
"Mas é um riso nervoso, de incômodo, de se ver naquela família", sugere Erom Cordeiro,
que interpreta Jim, o pretendente recrutado por Tom.
"O nosso desafio é controlar
essa oscilação, indicar "aqui escurece, tem sombra", orquestrar os nossos tons para que a
plateia nos acompanhe", completa Mascarenhas.
O ZOOLÓGICO DE VIDRO
Quando: estreia amanhã, às 21h;
sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até
22/2
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr.
Vila Nova, 245, SP, tel. 0/xx/11/
3234-3000)
Quanto: R$ 20
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
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