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CINEMA
Filme desvenda músico anônimo
Diretor Lírio Ferreira cria aura de mistério em torno do inventor do baião em "O Homem que Engarrafava Nuvens"
Cineasta evita falar o nome de Humberto Teixeira com medo de que espectadores imaginem um filme "chato" sobre "artista cearense"
DA REPORTAGEM LOCAL
Lírio Ferreira, 44, falador expansivo, tem tentado deixar
guardadas algumas palavras.
Ele teme que, se falar em excesso, possa atrapalhar o lançamento de "O Homem que Engarrafava Nuvens". A apreensão do diretor se estende ao que
falarão os jornalistas.
"Quem faz a sinopse dos filmes no jornal, hein?", pergunta
para, em seguida, emendar
uma explicação. "Se sair que é
um filme sobre Humberto Teixeira, um compositor cearense,
ninguém vai ver. O cara vai ter
certeza de que é um filme chatíssimo", aposta.
Para o trailer, ele achou uma
solução. Ocultou o nome do
personagem. Tentou criar ar de
mistério. "Fui descobrindo a figura do Humberto Teixeira enquanto fazia o filme, então quero que o espectador tenha a
mesma sensação. Eu vivia no
sertão, ouvia baião, conhecia o
Luiz Gonzaga, mas não tinha a
dimensão dessa história", diz,
colocando um ponto final ao se
aproximar dos detalhes.
Numa estrutura à "Memórias Póstumas de Brás Cubas",
o filme começa num cemitério,
com a câmera colada à atriz Denise Dumont, filha do personagem-tema. A partir da morte,
os fios da memória são tecidos
de maneira lúdica. "É um documentário, mas tem o frescor da
ficção. Querendo ou não, o material é manipulado. E eu adoro
mentir", diz o diretor que, nas
ficções "Baile Perfumado"
(1997) e "Árido Movie" (2004),
flertou com o documental.
Se trocou tipos inventados
por figuras "de verdade" foi
muito mais por obra do acaso
do que por opção. "Os documentários correram atrás de
mim", brinca, lembrando também de "Cartola - Música para
os Olhos" (2007). "Fui procurado para esses projetos. No fim,
como define o Gilberto Gil, fiz
filmes sobre duas "dinastias" da
música brasileira", diz.
Primeiro, o samba. Agora, o
baião. "Descobri que o momento em que o Cartola desapareceu de cena foi exatamente o
momento em que o baião estourou", calcula. "O Brasil está
nessas músicas. Se alguém
criou uma identidade para o
país foram esses caras: Luiz
Gonzaga, Cartola, Villa-Lobos."
Entre o sertão que sua ficção
tentou compreender e os acordes que os documentários tornaram palpáveis, Lírio prefere
não erguer pontes. "Não gosto
muito de pensar no que fiz, no
quanto as coisas se ligam de um
filme para outro. Prefiro andar
para a frente."
À frente, está "Sangue Azul",
que define como um filme sobre a impossibilidade do amor.
O roteiro foi escrito em Recife,
sua cidade natal, mas o projeto
será feito com a produtora do
diretor Beto Brant ("O Invasor"). "É um cara da minha geração, que admiro. Também
queria me afastar um pouco do
cinema de brodagem do Recife.
Já trabalhei no Rio e queria experimentar São Paulo."
Treze anos depois da memorável estreia no longa-metragem, com "Baile Perfumado",
dirigido com Paulo Caldas, Ferreira parece saber que o mundo
pode até começar no Recife,
mas continua para muitos lados. "Adoro andar. Sabe que
acho até que deveria dar entrevista andando?"
(ANA PAULA SOUSA)
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