São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001

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Eric Hobsbawm agora olha para seu passado

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia abaixo os principais trechos da entrevista que o historiador Eric Hobsbawm concedeu, por telefone, de sua casa, em Londres, onde trabalha em sua autobiografia. (SC)

Folha - O sr. está escrevendo a história de sua vida, pode dizer algo sobre ela?
Eric Hobsbawm -
Como dizia um grande amigo meu, Fernand Braudel ("O Mediterrâneo"), um historiador nunca está de folga. Tudo o que fazemos, de uma maneira ou de outra, está ligado à atividade de fazer história. Por isso posso dizer que esse livro não será uma biografia apenas íntima, e sim uma mistura disso com minha trajetória intelectual. Afinal, as pessoas não vivem apenas a sua vida privada.

Folha - O sr. fez livros abrangentes, que se preocuparam em trazer um amplo painel de grandes períodos. Concorda que hoje exista uma tendência oposta, que faz com que pesquisadores limitem seus estudos a problemáticas e períodos de tempo menores?
Hobsbawm -
Sim. Acho que a história feita em ambiente acadêmico tende, atualmente, a ser mais especializada, por causa da maneira pela qual a profissão está estruturada. É preciso fazer pesquisa para alcançar uma determinada graduação, depois, mais pesquisa para fazer-se doutor, e assim por diante. O foco, então, tem de ser específico para obedecer a esse mecanismo.
Acredito que, hoje, mesmo para um historiador experiente, está cada vez mais difícil propor uma abordagem ampla de um período muito grande. Acho que meu caso é exceção. A maioria da história que é escrita hoje é mais pontual, mais especializada.

Folha - A culpa seria, então, das regras da universidade?
Hobsbawm -
Acho que as universidades têm responsabilidade. Ao formatarem a profissão dessa maneira, inibem análises amplas. A história mais geral tem sido escrita agora por muitas pessoas. É raro que só um autor o faça.

Folha - Acha que isso é positivo?
Hobsbawm -
Acho que é mais desejável que a história mais ampla seja feita de maneira individual, pois assim é mais fácil que o público comum a leia. Por outro lado, sem o trabalho dos especialistas é impossível para um autor sozinho fazer um bom trabalho que seja ao mesmo tempo abrangente e sintético, como o que eu venho tentando fazer.

Folha - Quando você começou, a vida acadêmica estava relacionada à posição política das pessoas. Acredita que isso fez com que parte importante da produção histórica fosse bloqueada?
Hobsbawm -
Num sentido mais amplo, não. Não existiam muitos países que censuraram a história. Havia aqueles ligados à então União Soviética, onde era impossível escrever história a não ser que se tivesse determinadas opiniões. Em outros países, no geral, havia uma visão consensual sobre o capitalismo, mas sempre houve espaço para que outras visões servissem como reflexão e para que se publicasse sobre elas.
Meus livros, mesmo durante a Guerra Fria, foram muito bem recebidos nos EUA, nas universidades principalmente, mesmo sem corresponder às linhas políticas que ancoravam aquele governo. Devo dizer que, no mesmo período, eles não eram publicados na União Soviética.

Folha - O sr. ainda não se aborreceu com a quantidade de entrevistadores que perguntam porque você ainda é comunista?
Hobsbawm -
Sempre tentei escrever história inspirado pelo marxismo, mas o valor dessa história não depende de meus pontos de vista. As pessoas sabem que minhas idéias são de esquerda, e, em alguns momentos, isso fez com que eu fosse mais popular. Em outros momentos, menos. O valor da minha história não está em atender as pessoas com minhas opiniões, mas em ser uma boa história e por isso ser aceita.


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