São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001

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LIVRO
Medievalista francês, um dos idealizadores da chamada Nova História, terá obra recente lançada no Brasil

Globalização deve "desocidentalizar" história, diz Le Goff

DA REPORTAGEM LOCAL

No mesmo século 13 em que mergulhou para trazer à tona a história do rei francês Luís 9º, canonizado em 1297 como são Luís, o historiador Jacques Le Goff foi buscar os passos de são Francisco de Assis, personagem de seu mais recente livro, que será lançado no Brasil em outubro, pela Record.
Le Goff disse à Folha, por telefone, de sua casa, em Paris, que encontrou no gênero biografia uma oportunidade para alcançar a "história total", que buscavam os idealizadores da Nova História. Ou seja, uma maneira de integrar outras ciências à historiografia e estabelecer um diálogo entre a micro e a macrohistória. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. (SYLVIA COLOMBO)

Folha - O que os seus dois biografados, são Luís e são Francisco de Assis, têm em comum?
Jacques Le Goff -
Ressaltaria o fato de que são Luís se identificou com a idéia do rei sofredor, da imagem do Cristo que era rei por sua dor, idéias predominantes no século 13. O mesmo se passou com são Francisco de Assis. As derrotas terrenas de ambos foram transformadas em triunfos espirituais por causa dessa concepção.

Folha - O que o levou a se dedicar às duas biografias?
Le Goff -
Acho que a biografia se aproxima da "história total", que idealizávamos na Escola dos Annales. Quando faço uma biografia, penso que devo, por meio do personagem, chegar a uma explicação da sociedade daquele tempo. O que é excitante é que preciso fazer isso de um modo rigoroso, e não literário, pois trata-se de um trabalho histórico.

Folha - O senhor os escolheu por serem do século 13, período em que o conceito de indivíduo parece ter ganho significado?
Le Goff -
Sim. A época em que vivem meus "heróis" é também o período de emergência de uma concepção de indivíduo. Antes se dizia que a Idade Média cristã não conhecia o indivíduo, uma problemática interessante que levantou minha atenção.

Folha - Como entender santos a partir da idéia de que foram homens em um contexto?
Le Goff -
O fato de meus dois "heróis" serem santos faz com que seja necessário estudar a autenticidade das crenças. De são Francisco de Assis diziam os documentos que teria recebido as chagas de Cristo. Creio que há duas posições que o historiador não pode ter neste caso: dizer que isto é um fenômeno, um milagre ou que é algo impossível, falso.
O que o historiador precisa entender é que se trata de um fato que foi tido como verdadeiro, autêntico. Deve levá-lo em conta como documento de um fenômeno que é provavelmente falso, mas é um documento verdadeiro.

Folha - Como a globalização pode influenciar nas tendências da historiografia neste século?
Le Goff -
Acho que os historiadores da Nova História experimentaram a necessidade de "deseuropeizar" a história. Com a globalização, a tendência é que isso continue. Creio que é um movimento ambivalente. Por um lado, existe um aspecto nefasto -de que se falou em Porto Alegre. Mas também há o lado positivo, que é a "desocidentalização". A globalização pode promover uma mudança na historiografia, pois o Terceiro Mundo não deverá imitar o método ocidental. Serão criadas novas formas de história.

Folha - Como o sr. vê o Brasil nesse processo?
Le Goff -
Os historiadores brasileiros têm muito a contribuir, pois são, ao mesmo tempo, bons conhecedores da historiografia ocidental e têm contato com situações sociais, com mentalidades religiosas, que os obrigam a um outro tipo de historiografia.


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