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LIVRO
Medievalista francês, um dos idealizadores da chamada Nova História, terá obra recente lançada no Brasil
Globalização deve "desocidentalizar" história, diz Le Goff
DA REPORTAGEM LOCAL
No mesmo século 13 em que
mergulhou para trazer à tona a
história do rei francês Luís 9º, canonizado em 1297 como são Luís,
o historiador Jacques Le Goff foi
buscar os passos de são Francisco
de Assis, personagem de seu mais
recente livro, que será lançado no
Brasil em outubro, pela Record.
Le Goff disse à Folha, por telefone, de sua casa, em Paris, que encontrou no gênero biografia uma
oportunidade para alcançar a
"história total", que buscavam os
idealizadores da Nova História.
Ou seja, uma maneira de integrar
outras ciências à historiografia e
estabelecer um diálogo entre a
micro e a macrohistória. Leia
abaixo os principais trechos da
entrevista.
(SYLVIA COLOMBO)
Folha - O que os seus dois biografados, são Luís e são Francisco de
Assis, têm em comum?
Jacques Le Goff - Ressaltaria o fato de que são Luís se identificou
com a idéia do rei sofredor, da
imagem do Cristo que era rei por
sua dor, idéias predominantes no
século 13. O mesmo se passou
com são Francisco de Assis. As
derrotas terrenas de ambos foram
transformadas em triunfos espirituais por causa dessa concepção.
Folha - O que o levou a se dedicar
às duas biografias?
Le Goff - Acho que a biografia se
aproxima da "história total", que
idealizávamos na Escola dos Annales. Quando faço uma biografia, penso que devo, por meio do
personagem, chegar a uma explicação da sociedade daquele tempo. O que é excitante é que preciso
fazer isso de um modo rigoroso, e
não literário, pois trata-se de um
trabalho histórico.
Folha - O senhor os escolheu por
serem do século 13, período em
que o conceito de indivíduo parece
ter ganho significado?
Le Goff - Sim. A época em que vivem meus "heróis" é também o
período de emergência de uma
concepção de indivíduo. Antes se
dizia que a Idade Média cristã não
conhecia o indivíduo, uma problemática interessante que levantou minha atenção.
Folha - Como entender santos a
partir da idéia de que foram homens em um contexto?
Le Goff - O fato de meus dois
"heróis" serem santos faz com
que seja necessário estudar a autenticidade das crenças. De são
Francisco de Assis diziam os documentos que teria recebido as
chagas de Cristo. Creio que há
duas posições que o historiador
não pode ter neste caso: dizer que
isto é um fenômeno, um milagre
ou que é algo impossível, falso.
O que o historiador precisa entender é que se trata de um fato
que foi tido como verdadeiro, autêntico. Deve levá-lo em conta como documento de um fenômeno
que é provavelmente falso, mas é
um documento verdadeiro.
Folha - Como a globalização pode
influenciar nas tendências da historiografia neste século?
Le Goff - Acho que os historiadores da Nova História experimentaram a necessidade de "deseuropeizar" a história. Com a globalização, a tendência é que isso continue. Creio que é um movimento
ambivalente. Por um lado, existe
um aspecto nefasto -de que se
falou em Porto Alegre. Mas também há o lado positivo, que é a
"desocidentalização". A globalização pode promover uma mudança na historiografia, pois o
Terceiro Mundo não deverá imitar o método ocidental. Serão
criadas novas formas de história.
Folha - Como o sr. vê o Brasil nesse processo?
Le Goff - Os historiadores brasileiros têm muito a contribuir, pois
são, ao mesmo tempo, bons conhecedores da historiografia ocidental e têm contato com situações sociais, com mentalidades
religiosas, que os obrigam a um
outro tipo de historiografia.
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