|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
"UM MÍSTICO BRASILEIRO"
Obra traça panorama descritivo do conflito
Cunninghame Graham vê Canudos com olhos europeus
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A saga de Canudos é um dos
episódios sociais mais instigantes da história da América do
Sul. Seu imenso apelo é comprovado pelo volume de obras literárias de grande valor que ela instigou; a mais relevante das quais,
"Os Sertões", de Euclydes da Cunha, teve o centenário de lançamento comemorado em 2002.
Um dos subprodutos da comemoração desse aniversário tem sido o lançamento ou relançamento de outros livros baseados no
drama de Antônio Conselheiro.
Entre eles, "O Rei dos Jagunços",
de Manoel Benício, repórter que
cobriu a guerra no interior da Bahia, e "Um Místico Brasileiro", de
Robert B. Cunninghame Graham,
publicado por Unesp/Sá Editora.
Cunninghame Graham, inglês
mestiço que passou parte da vida
na América do Sul (sua mãe era
venezuelana) no final do século 19
e início do 20, escreveu muito sobre o subcontinente, inclusive este relato sobre o embate entre o
Exército da recém-criada república brasileira e os caboclos liderados por Antônio Conselheiro.
Ao contrário de Euclydes da
Cunha e Manoel Benício, Cunninghame Graham nunca esteve
no local dos acontecimentos que
descreve. Aparentemente, ele começou a redigir seu trabalho em
1914, quando tomou conhecimento dos incidentes, que muito
o impressionaram, e passou a
pesquisar o assunto. "Os Sertões"
foi sua principal referência, mas
outras fontes primárias lhe serviram de subsídio.
A crítica literária internacional
coloca "Um Místico Brasileiro"
entre a tríade das grandes obras
sobre Canudos (ao lado de "Os
Sertões" e de "Guerra do Fim do
Mundo", de Mario Vargas Llosa).
Llosa fez um romance histórico,
Euclydes, um tratado antropológico. Já Cunninghame Graham
produziu um livro descritivo, didático, com grande força narrativa, que em alguns momentos parece aproximar-se da ficção.
Sua perspectiva, embora temperada por sua condição crioula, é
a do europeu "civilizado", assim
como o público-alvo do trabalho
eram os integrantes da elite cultural dos centros do poder geopolítico mundial da época.
O exotismo do ambiente sertanejo e dos fanáticos religiosos é o
chamariz, o eixo em torno do qual
gira a história contada por Cunninghame Graham, com verve e
inteligência.
Esta é a primeira edição em português deste clássico da literatura
de viajantes ingleses. É surpreendente que tenha demorado tanto
a acontecer.
É importantíssimo que ocorra
agora, quando o essencial "Os
Sertões" recebe tanta atenção,
exatamente por dar acesso a uma
leitura alternativa dos episódios
que tanto marcaram os anos iniciais do regime republicano brasileiro.
Ao lado do volume da série "Folha Explica" sobre "Os Sertões"
(de Roberto Ventura, talvez o
mais profundo conhecedor da
obra de Euclydes da Cunha), da
excelente edição da Ateliê Editorial de "Os Sertões" (com prefácio, cronologia, notas e índices de
Leopoldo M. Bernucci) e dos
magníficos Cadernos de Literatura e de Fotografia Brasileira que o
Instituto Moreira Salles produziu
sobre Canudos (com a participação também de Ventura), "Um
Místico Brasileiro" dá aos brasileiros a oportunidade de entender
melhor esse fenômeno fundamental de sua história.
Menos importante, mas muito
original e criativa, é também a novela "Veredicto em Canudos", do
húngaro Sándor Márai, que a
Companhia das Letras editou em
2001.
Baseado apenas na leitura de
Euclydes, essa ficção fantástica é
outra demonstração do fascínio
que Canudos exerce sobre a imaginação humana.
Carlos Eduardo Lins da Silva, 49, é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Um Místico Brasileiro
Autor: Robert B. Cunninghame Graham
Editora: Unesp/Sá Editora Quanto: R$ 26 (224 págs.)
Texto Anterior: Reedição traz embrião de Erico Verissimo Próximo Texto: "Modos de macho...": Era assim que os bobos riam Índice
|