São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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Último roteiro de Rogério Sganzerla, finalizado no hospital, ganhará as telas pelas mãos de sua mulher

Ladrão de cena

BRUNO GHETTI
DA REDAÇÃO

Faz menos de 40 dias que o cineasta Rogério Sganzerla morreu, mas o baú das obras inéditas que ele deixou já dá amostras de sua profundidade. A viúva do cineasta, a atriz Helena Ignez, 64, encabeça a equipe de recuperação do acervo, que inclui desde escritos esparsos sobre cinema a filmes inteiros prontos, jamais exibidos comercialmente. E também roteiros inéditos, como "Luz nas Trevas - Revolta de Luz Vermelha", que será dirigido por Ignez ainda em 2004 (leia trecho abaixo).
O roteiro de "Luz nas Trevas" foi o último escrito por Sganzerla, terminado pouco tempo antes da sua morte, aos 58, no dia 9 de janeiro deste ano. "O Rogério trabalhou nele durante anos, deixando mais de mil folhas de roteiro", diz Beto Ronchezel, 49, colaborador de Sganzerla e amigo da família. "O argumento foi inscrito e ganhou o edital do concurso da Ancine. Desde então, o roteiro foi desenvolvido por Sganzerla até poucos dias antes de morrer. Foi praticamente feito no hospital."
Helena Ignez explica o projeto: "É um filme que se passa no início dos anos 70 e vai até nossos dias. "Luz nas Trevas" não é uma continuação de "O Bandido da Luz Vermelha" [primeiro longa de Sganzerla, de 1969], embora o personagem Luz atravesse todo o filme, desde os 70 até hoje. Por isso o subtítulo "Revolta de Luz Vermelha'".
No filme, serão abordados os 30 anos de cárcere do Bandido da Luz Vermelha, paralelamente à história de seu filho, apelidado de Tudo ou Nada, que caminha rumo à marginalidade.
"O Rogério definia essa história como "comédia presidiária", ou "melodrama presidiário". O filme é um musical -nele, a música antecede as imagens. Além de uma trilha original, o filme vai ter músicas que o Rogério escolheu -músicas brasileiras, sons que ele usou em "O Bandido", como as guarânias, os "bolerões", e também música romântica, música americana e até mesmo o som de um conjunto de rap paulista", explica a diretora.
"Rogério definia o filme como uma paráfrase da violência urbana no Brasil de hoje. Boa parte da história se passa em presídio", completa Ronchezel.
Por enquanto, Ignez prefere não revelar a escalação de elenco e da equipe técnica: "Quero ir com calma, fazer tudo passo a passo; mas é evidente que já tenho uma idéia de quem poderia integrar a equipe técnica, quem seria adequado para representar cada personagem, mas terá a sua hora".
As filmagens, segundo ela, devem começar ainda em dezembro deste ano. "Estamos armando a produção, buscando patrocínios. O roteiro e o projeto são bons, acho que tudo vai se resolver."
Helena Ignez acredita que Sganzerla tenha deixado aproximadamente 25 roteiros inéditos prontos. Além de "Luz nas Trevas", Sganzerla deixou vários roteiros escritos, muitos já finalizados e registrados. Dentre eles, uma história sobre o cangaço, passada no sertão nordestino, intitulada "Reinado Sangrento". Três anos antes de morrer, Sganzerla convidou o hoje ministro da Cultura, Gilberto Gil, para integrar o elenco do filme. "Gil faria uma participação especial como um cangaceiro velho, que viveu a experiência do cangaço. O roteiro foi registrado na Biblioteca Nacional e Gil tinha até aceitado, mas Rogério adoeceu antes", diz Ignez.
Dentre os roteiros inéditos, há ainda um sobre a Guerra de Contestado -tema sobre o qual Sganzerla já havia trabalhado em um estudo feito em 16 mm- e uma adaptação de "Asfalto Selvagem", de Nelson Rodrigues (Ignez diz que o cineasta "já tinha até a autorização do filho do Nelson para filmar o roteiro").
"E há ainda curtas, médias e longas-metragens jamais exibidos comercialmente", afirma Ignez, destacando o filme "Carnaval na Lama", de 1970, que jamais chegou a ser exibido. "A época era complicada, éramos muito tolhidos pela falta de liberdade. Mas Rogério rodou o filme, e a cópia hoje se encontra em bom estado de conservação. O problema é que o filme nunca recebeu uma edição final, senão poderia ser exibido sem maiores problemas", ela diz sobre o filme, que foi rodado em São Paulo e Nova York, com Jorge Mautner no elenco e participações especiais de artistas como a cantora Gal Costa e o escritor Antonio Bivar.
No acervo deixado por Sganzerla "há coisas sendo achadas a cada momento. Helena [Ignez] sabe da existência de vários dos roteiros e filmes, mas não sabe onde estão. Às vezes ela me liga, dizendo: Beto, você não acredita no que eu achei hoje!", conta Ronchezel. Alguns filmes já estão selecionados para restauração, como "HQ", curta sobre histórias em quadrinhos, "A Mudança de Hendrix", gravação de imagens de Jimi Hendrix em Londres (com Gil e Caetano assistindo-lhe na platéia), e "O Petróleo Nasceu na Bahia", média-metragem sobre a exploração do petróleo naquele Estado.
Com tanto material (fora o que ainda não foi encontrado), a viúva e os amigos de Sganzerla decidiram criar uma espécie de centro cultural abrigando toda a obra do cineasta. A sede vai ser no parque da Luz, em São Paulo.
"Fico muito feliz que tenham disponibilizado um espaço para isso, sobretudo num lugar tão simbólico quanto a Luz, que é onde grande parte de "O Bandido da Luz Vermelha" foi rodado", afirma Ignez. E Ronchezel complementa: "A idéia é que o lugar seja também um ponto de encontro das pessoas de cinema".


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