São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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CRÍTICA

Sábado à tarde, terra de ninguém na TV

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

É sábado à tarde e a TV está lá, desligada. E melhor seria se assim permanecesse, porque a programação da TV nesse horário é uma verdadeira terra de ninguém. O tempo não vale nada, os programas não apenas são excessivamente longos como esticam suas "atrações" ao máximo, até uma espécie de paroxismo da enrolação.
Um quadro qualquer de um programa qualquer de qualquer uma das emissoras da TV aberta dura, pelo menos, mais 50% do que seria o necessário; segundos que se tornam minutos são gastos em falação sobre tudo e sobre nada; entrevistas extensas com quem absolutamente não tem o que dizer; repetição de cenas em tudo semelhantes com ligeiras, imperceptíveis e nada significativas variações etc. Famosos de terceira e quarta linha, corpos mais ou menos despidos e músicas que você já se cansou de ouvir completam as alternativas possíveis para encher o tempo.
É um tempo barato, baratíssimo, o da TV aos sábados à tarde -e, por conta disso, as emissoras barateiam o tempo do espectador de maneira quase (quase?) desrespeitosa. Os apresentadores, estes ganham lá seu dinheirinho fazendo propaganda dentro dos programas, com um cinismo que borra completamente as fronteiras entre o editorial e o comercial, a ponto de se ligar a TV e não se saber o que exatamente está acontecendo, se é programa ou anúncio.
Não dá nem para falar em entretenimento, uma vez que o empenho em meramente divertir, nada além disso, é por demais anêmico. Trata-se mais de preencher o tempo com gritaria, animação genérica e, cá e lá, um toque de mundo bizarro. E tudo isso em câmera muito lenta -o que torna a lembrança do precursor de todos eles, o Chacrinha, mais aguda, por contraste.
Numa dada tarde, em sábado recente, as alternativas eram eletrizantes: concurso de mulatas, na Globo; reportagem sobre a entrega de um aparelho de surdez, no SBT; cantores mirins fazendo playback de sucessos radiofônicos, na Record; e a visita à casa de uma ex-namorada de Chitãozinho, na Bandeirantes.
OK, vá lá que um programa desses exista e faça sentido, o mundo é diverso etc., mas por que o horário é tomado por programas do mesmo tipo? Claro, há algumas diferenças, a produção lá é mais profissional do que a de cá, o apresentador X é um tantinho mais carismático ou menos cínico do que o apresentador Y.
Pode-se argumentar que "Caldeirão do Huck" é mais rico do que o "Sabadaço" e, portanto, as celebridades de um são mais célebres do que as do outro, a exploração da "benemerência" em "Falando Francamente" talvez seja mais imoral do que a dos pequenos cantantes no programa do Raul Gil, mas, no fundo, no fundo, eles fazem mais ou menos a mesma coisa: exibem, com toques de perversidade, um mundo tolo, vazio e, sobretudo, muito modorrento.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br



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