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BERNARDO CARVALHO
Auto-ajuda social
Livros como "Collapse" (colapso, da ed. Viking), do biólogo e professor de geografia da
Universidade da Califórnia
(UCLA) Jared Diamond, não são
novidade. Ainda mais no mercado editorial americano. A novidade é que um livro desses seja
matéria de mais de três páginas
de uma revista como a "New Yorker". Ou que, influenciado por essa reportagem, eu tenha encomendado o livro na internet -o
que, em outros tempos, não teria
me passado pela cabeça.
Tentei não me deixar abater pela capa: o título, escrito em letras
douradas garrafais, em alto relevo, sobre uma foto de pirâmides
maias (uma das sociedades que
"escolheu fracassar"), de repente
me fez suspeitar do que tinha nas
mãos. Eu queria saber qual a alternativa dada por um especialista (Diamond ganhou o Pulitzer
por seu livro anterior, o best-seller
"Armas, Germes e Aço", publicado pela Record) ao crescimento
não-sustentável da economia
mundial. Agi como o típico leitor
de livros de auto-ajuda atrás de
receitas instantâneas e de fórmulas de bem-estar. A única diferença é que as minhas angústias não
diziam respeito a problemas pessoais de curto prazo, mas a uma
situação social globalizada, à sobrevivência da espécie e do planeta. A resposta veio à altura -e a
capa já era um sinal.
"Collapse" está recheado de informações e fatos históricos, alguns especialmente interessantes,
como a saga das colônias de vikings noruegueses na Groenlândia, o desaparecimento dos habitantes da ilha de Páscoa ou a organização social explosiva que
precedeu o genocídio em Ruanda
-tragédia que teria menos a ver,
segundo o autor, com um conflito
racial do que com uma crise malthusiana, ou seja, muita gente para pouca comida.
Alguém já definiu os livros de
auto-ajuda como aqueles que dizem o lugar-comum como se estivessem descobrindo a pólvora.
Como o lugar-comum já está na
cabeça do leitor desde sempre, ele
se sente aliviado ao "descobrir"
que a "solução impensada" para
os seus problemas não só não o
contraria mas corresponde ao
que já pensava.
Em "Collapse", o relato sobre civilizações antigas ou exóticas e
sobre fatos históricos desconhecidos da maioria dos leitores serve
para encobrir a obviedade das
conclusões. Diamond faz dos casos históricos de desaparecimento
de sociedades inteiras (os maias,
os habitantes da ilha de Páscoa
etc.) um alerta para o presente. E
sua receita de sobrevivência é
apelar para a moderação.
Diamond se define como um
"otimista precavido". Recusa o
tempo inteiro a pecha do "determinismo ecológico". Não deixa de
levar em conta fatores históricos,
geográficos, sociais e econômicos
nas relações que as sociedades estabelecem com o meio ambiente
e, por conseqüência, nas suas
chances de sobrevivência. Mas,
para ele, tudo depende afinal de
escolhas e decisões. As sociedades
poderiam escolher se vão sobreviver ou não, dependendo de sua
consciência ou de sua cegueira.
"Collapse", no final das contas, é
um livro de psicologia social.
Esse ponto de vista, simpático e
pragmático na medida do possível (Diamond aconselha, exorta
os leitores a abrirem mão de seu
consumismo, indica caminhos
para iniciativas individuais em
bairros etc.), acredita que o ser
humano seja sustentável, contanto que evite a equação destruidora, prevista por Malthus, em que
escassez de comida e de terras férteis se combina com alta concentração populacional. A destruição
e o suicídio da espécie seriam, para o autor, aberrações de percurso
a serem corrigidas por medidas
governamentais (o controle de
natalidade na China, por exemplo) e por mudanças do comportamento de grupos e indivíduos.
Se o homem não estiver disposto a tomar as decisões certas e a
fazer concessões (Diamond está,
em parte, dialogando com o governo Bush), as guerras, as doenças e a fome conseqüentes das
más decisões se encarregarão de
reencontrar o equilíbrio necessário. É um raciocínio peculiar, o
contrário de uma perspectiva trágica, como a do alemão W.G. Sebald em seu belo "Os Anéis de Saturno", para quem o homem veio
para destruir, já que a civilização
humana está baseada na combustão.
O otimismo de "Collapse" se
sustenta sobre uma contradição
de fundo. Ao mesmo tempo em
que fala de conflitos de interesse
(por exemplo: para preservar suas
florestas, o Japão tem que contar
com o desmatamento de países
em desenvolvimento, como o Brasil) e diz em alto e bom som que o
crescimento econômico mundial
é insustentável -"o mundo não
pode suportar a China e outros
países do Terceiro Mundo (...)
funcionando em níveis de Primeiro Mundo. (...) Mesmo se as populações do Terceiro Mundo não
existissem, seria impossível para o
Primeiro Mundo sozinho manter
o seu curso atual"-, acredita poder remediar a situação pelo poder da autodeterminação.
Esse raciocínio, que também
permite ao autor tomar o partido
de grandes indústrias que adotam medidas ambientalistas para
compensar o mal da engrenagem
de produção em que estão inseridas, é típico de um mundo descrente dos grandes sistemas de
pensamento. O que o leitor quer
ler é o que ele já sabe, o que não o
contraria, a visão parcial. Nada
melhor, nesse caso, do que acreditar que as soluções dependem
unicamente do bom senso de suas
escolhas e de boas intenções.
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