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Vista como "raivosa" por representantes da esquerda, a nova direita cresce com a crise do PT e age como se chegasse a sua vez
Direita, volver!
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
De repente passou a ser bacana
o sujeito, numa festa ou numa
mesa de bar, rodopiar a taça de vinho e desfilar frases do tipo "essa
canalha bolchevique do PT não
sabe nem falar português", seguidas de elogios à atuação de George W. Bush no Iraque ou de incursões "teóricas" das quais a principal lição a ser retirada é que só é
pobre quem quer.
Cada vez mais à vontade no país
que se seguiu à estabilização monetária e, principalmente, ao tombo ético da administração petista,
uma nova direita esbalda-se no
Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi-se o tempo em que a direita
parecia se concentrar sobretudo
na economia -cujo "bunker" é a
PUC do Rio, hegemônica na área
desde o governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
Com rosto mais "cultural", na
imprensa, articulistas como Diogo Mainardi, da revista "Veja",
Reinaldo Azevedo, da revista-site
"Primeira Leitura", e Nelson Ascher, desta Folha, encarnam a renovação da tendência. São as versões atualizadas de intelectuais
como o "decano" Olavo de Carvalho [leia entrevista na página seguinte] ou de polemistas como
José Guilherme Merquior (1941-1991) e Paulo Francis (1930-1997).
Antes "oprimida" pela hegemonia cultural de esquerda -vigente no país desde pelo menos a década de 60-, a nova direita foi
crescendo em desembaraço e afetação à medida que a esquerda,
golpeada por crises, enfiava o rabo entre as pernas e se via representada por figuras duvidosas, como as do PT, anacrônicas, como
Fidel Castro, ou patéticas, como o
presidente da Venezuela, Hugo
Chávez (é preciso reconhecer que
o material é estimulante).
Para o pesquisador do Cebrap
(Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento) Marcos Nobre,
identificado com a esquerda, o fenômeno "está apenas começando". Ele acredita que os novos
arautos da direita se unem numa
atitude "raivosa" e também num
discurso sedutor. Mas é nas suas
linhas mais sofisticadas, diz ele,
representadas por nomes como o
do economista Eduardo Giannetti, que mora o "perigo" maior.
Já para Reinaldo Azevedo, o perigo são os esquerdistas, que se
mostram dispostos a sacrificar a
legalidade, mesmo a democrática,
em nome de um entendimento
peculiar do que seja justiça social.
"Eu fico com a legalidade. Nesses
termos, eu seria da direita democrática". E acrescenta, provocando: "Se quiserem, no entanto, que
eu defenda juros reais de 13% ao
ano, podem tirar o cavalo da chuva. Essa direita é o Lula".
O poeta e tradutor Nelson Ascher, colunista da Folha, diz repelir rótulos ideológicos, mas considera que não é um equívoco ser
chamado de "direita", se forem
seguidas "as regras que aqueles
que se denominam "de esquerda"
usam para classificar opiniões diferentes". Para ele, "se a religião já
foi apelidada de "o ópio do povo",
o esquerdismo é o jeans da intelectualidade".
Marcos Nobre considera que o
tom adotado por essa vertente revela uma espécie de identificação
com o agressor. "Acho que eles
apanharam tanto da esquerda,
que dizem: "Agora é a nossa vez"."
Ele vê nesse traço o reflexo de
uma crença "revolucionária" da
nova direita, que trataria de impor ao Brasil, pela primeira vez na
história (segundo seu julgamento), um choque de capitalismo.
"A lógica é que eles se consideram a vanguarda de uma coisa
nova no Brasil, que é o capitalismo. Por isso são tão raivosos",
diz. Mas ele considera que há "um
lado extremamente positivo, que
é a consolidação da democracia. É
uma direita que legitimamente
pode mostrar sua cara."
A opinião é compartilhada em
parte por João Cezar de Castro
Rocha, professor de literatura
comparada na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
"Trata-se de fenômeno positivo
para o ambiente democrático.
Afinal, durante décadas, houve
uma hegemonia quase incontestada do pensamento de esquerda.
Assim, bastava empregar o tom
"adequado" para ser considerado
um intelectual "engajado", portanto, na posição "correta'", diz.
Mas ele vê problemas com os argumentos dos novos direitistas.
"Hoje o que vemos predominar
são comentários raivosos e ressentidos, como se os casos de corrupção do PT legitimassem a pilhagem do Estado brasileiro realizada por décadas pelos partidos
políticos conservadores. E o nível
intelectual? Não há nenhuma
comparação possível com o alto
calibre de [Mario Henrique] Simonsen, Roberto Campos e [José
Guilherme] Merquior."
Luiz Felipe de Alencastro, professor de história do Brasil da
Universidade de Paris-Sorbonne,
também de esquerda, concorda
com Castro Rocha e Nobre ao
considerar que o governo Lula foi
responsável pelo fortalecimento
desse discurso.
"Razões para criticar não faltam", diz Nobre. "A atuação raivosa vem de antes. Mas no governo Lula é sopa no mel. Mistura tudo, até preconceito de classe."
Castro Rocha é mais duro com
os petistas. "Em medida maior do
que talvez desejássemos, a força
do discurso da direita é uma conseqüência direta da crise política,
que é especialmente uma crise
simbólica. Ora, se um partido como o PT pôde fazer o que fez, então como impor uma barreira ética à voragem histórica da direita
brasileira?"
E Giannetti, o "perigoso"? De
cara, o economista, professor do
Ibmec São Paulo, rejeita toda classificação desse tipo. "Isso é um cacoete intelectual brasileiro
-achar que vai desqualificar o
pensador atribuindo a ele um rótulo. A minha disposição é discutir problemas e idéias. Não acho
que dê para resumir a complexidade de um pensador reduzindo
tudo a um rótulo."
Ele, no entanto, critica a esquerda. "No Brasil, todas as pessoas
que eu conhecia se imaginavam
de esquerda, revolucionárias, ultraprogressistas, e no entanto a
realidade é essa que está aí. Acho
que essa história de as pessoas se
imaginarem de esquerda no Brasil é que é um tremendo auto-engano. É muito gostoso ficar posando de esquerdista e achando
que está com as idéias mais avançadas da sua época. Muitos intelectuais brasileiros nutriram durante muito tempo essa fantasia."
"A esquerda no Brasil se confundiu muito com o populismo.
Com a idéia de que existe um atalho indolor para o crescimento
econômico."
A difusão de um novo discurso
contrário à esquerda vai produzir
mudanças no meio cultural? Reinaldo Azevedo gostaria, mas
acredita que não. "Diretores de
teatro e de cinema continuarão a
pregar a revolução com o patrocínio da Petrobras, que nos arranca
o couro com o seu monopólio,
mas patrocina proselitismo ideológico para as classes médias mais
ou menos intelectualizadas. No
país em que se tem uma esquerda
dessas, quem tem um olho logo
vira direitista", diz.
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