São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Maria Adelaide leva favela ao cinema "com otimismo"

Em seu primeiro filme, autora da TV retrata jovens da orquestra de Heliópolis

Direção é de Sérgio Machado ("Cidade Baixa') e produção, da Gullane e Fox; bairro será ainda cenário de sequência de "Bandido da Luz Vermelha"

Danilo Verpa/Folha Imagem
O FUNDADOR
Aos 77, o maestro Silvio Baccarelli, fundador da orquestra de Heliópolis, não mais participa diretamente da administração do projeto, mas acompanha os momentos especiais dos jovens músicos, como o primeiro ensaio deste ano, na semana retrasada

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Autora de elogiadas minisséries, como "JK" e "Os Maias", Maria Adelaide Amaral nunca quis se meter com a produção de filmes, até porque sempre acreditou na velha máxima de que "a televisão é a arte do autor e o cinema, do diretor".
Mas eis que surgiu um convite que a fez deixar o ditado de lado: "Diante desse projeto, estou me lixando para isso. Ele é maior do que meu ego, por ele, me anulo, me apago totalmente", diz à Folha a escritora, 66. Ela foi chamada a criar o roteiro de um longa-metragem de ficção baseado em histórias reais do envolvimento de crianças e jovens de Heliópolis, a maior favela de São Paulo, com uma orquestra sinfônica.
A sinfônica faz parte de um projeto filantrópico iniciado em 1996 pelo maestro Silvio Baccarelli, 77, que já levou jovens de baixa renda a festivais de diversas cidades brasileiras e do exterior (leia ao lado).
A orquestra se tornou uma vitrine para a favela, que já recebeu projeto arquitetônico de Ruy Ohtake, dá título ao recém-lançado romance do escritor inglês James Scudamore e servirá de cenário para a continuação do clássico do cinema brasileiro "O Bandido da Luz Vermelha".

"Fissurada"
O filme de Maria Adelaide Amaral será baseado em "Acorda Brasil", peça de Antônio Ermírio de Moraes inspirada na Sinfônica Heliópolis. O protagonista é Laerte, jovem violinista de classe média que vai dar aulas no bairro. A experiência muda a vida do professor e de seus alunos, alguns ligados ao tráfico de drogas. "Estou fissurada pela orquestra. Em 2001, apresentei à Globo a sinopse de uma novela sobre como a música pode transformar as pessoas. A ideia não foi aprovada, mas conto isso para mostrar como me interesso pela inclusão por meio da arte", diz.
A proposta partiu da Gullane Filmes ("O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", "Chega de Saudade"), que produzirá o filme com a Fox. "Disse "sim" na hora, apesar de nunca ter me interessado por cinema, que é um processo muito complicado e cansativo", conta Adelaide, acostumada ao ritmo acelerado das produções televisivas.
Afeita a obras que envolvem pesquisa, a autora convidou uma documentarista para ir a campo. Marta Nehring, 45, trocou temporariamente sua residência de 200 m2 na Vila Madalena, bairro nobre da zona oeste, por uma casa de 35 m2 em Heliópolis, na zona sul.
"É impossível saber como é Heliópolis sem dormir e acordar lá, conhecer as pessoas, sentir os cheiros, entender os horários. Se não fosse assim, eu teria sempre uma visão baseada em algum filtro, livros ou filmes sobre a região", afirma Nehring, cujo doutorado na USP é sobre a representação de São Paulo no cinema.
Ela diz não sentir medo de passar as noites sozinha na favela. "Me senti segura, até porque a regra é que não se assalta quem está lá. É claro que não transitei por todos os lugares e sei que há violência, mas, lá, o conceito de segurança é diferente do da classe média."
O produtor Caio Gullane, 35, conta que a violência estará no filme, "que não será superficial". "Mas queremos mostrar um lado otimista do Brasil."
Esse viés seduziu Sérgio Machado, 40, convidado para a direção. O cineasta do premiado "Cidade Baixa", cujo cenário é a Salvador pobre, aponta que "muitos filmes falam das mazelas, mas não de soluções". "Por meio da arte, do esporte e da educação é possível resolver muita coisa. Não creio em nossa vocação para o fracasso", diz ele, atraído pela obra também por motivo pessoal: sua mãe tocava fagote e o pai, piano. "Eu fui criado em uma orquestra."

Luz Vermelha
Em "Luz nas Trevas", continuação de "O Bandido da Luz Vermelha" (Rogério Sganzerla, 1968), Heliópolis servirá como cenário, mas não será identificado na história. O filme tem Ney Matogrosso no papel de Luz Vermelha e direção de Helena Ignez e Ícaro Martins. Para escolher locações e figurantes, os produtores tiveram ajuda do Cine Favela, que dá oficinas de cinema em Heliópolis. A associação já rodou um longa no bairro, "O Excluído", não finalizado por falta de verba.


Colaborou EDUARDO SIMÕES ,
da Reportagem Local


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