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CINEMA
Retrospectiva do Canal Brasil, que homenageia 66 anos de nascimento do diretor, exibe filmes do exílio e raridades
Ciclo ilumina o Glauber Rocha obscuro
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
Na comemoração dos 66 anos
de nascimento de Glauber Rocha,
o caráter de guerrilha de seu cinema adquire outros contornos,
agora numa espécie de luta pela
sobrevivência. À parte o fato de
ser cada dia menos compreendido, um "óvni" visto por poucos,
aqui e ali surgem eventos especiais ligados ao cineasta.
Um dos mais interessantes e
condizentes com as contradições
de Glauber é a mostra que o Canal
Brasil exibe a partir de hoje, que,
além de trazer seus longas conhecidos, recupera cinco produções
mais obscuras, inéditas na televisão. São elas: o curta "O Pátio",
primeiro filme do cineasta; os "filmes do exílio" "O Leão de Sete
Cabeças", "Cabeças Cortadas" e
"Claro", além de "Câncer".
Homenagem condizente porque a TV foi um dos veículos que
melhor abrigaram a linguagem de
Glauber (1939-1981) nos anárquicos quadros que fazia para o programa "Abertura" (Tupi). Contraditória porque não será desta
vez que sua obra sairá do "gueto
do cinema" para alcançar as massas, já que a exibição está restrita
aos limites estreitos da TV paga.
À sua maneira, os longas estrangeiros podem explicar o inclassificável, já que o "grande" público
brasileiro viu um buraco entre "O
Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro" (1969) e "Idade da
Terra" (1980). "Sem os filmes do
exílio, você pode achar que o
Glauber pirou. Ele partiu de produções que tinham uma certa linha narrativa para desestruturar e
radicalizar ainda mais essa linguagem", explica a professora de
cinema da UFRJ Ivana Bentes, organizadora do livro "Glauber Rocha - Cartas ao Mundo".
Com o Brasil entalado na garganta, o cineasta tentaria abraçar
o mundo entre 1969 e 1976, no
embalo nada amigável da ditadura militar em seu encalço. No começo do exílio, Glauber vivia seu
auge e não precisava de nenhum
Oscar para isso. Consagrado como melhor diretor em Cannes,
por "Dragão", as propostas para
filmar no exterior avolumaram.
"Exatamente nesse momento
ele radicalizou a linguagem e realizou longas que não correspondiam à idéia de um cineasta brasileiro num mercado internacional", diz o pesquisador e crítico
Ismail Xavier. "Glauber não assumiu o papel de alguns cineastas
que, após fazer carreira em seu
país de origem, vão para EUA ou
Europa e fazem filmes para o
grande mercado, como Roman
Polanski ou Milos Forman."
Glauber iria longe, literalmente,
ao decidir filmar seu "Leão..." na
África. "Materialista e dialético, é
um filme que despreza a retórica
idealista burguesa reacionária",
diria o cineasta em uma carta.
No mesmo ano, e ainda impulsionado por Cannes, Glauber alcança a Espanha, mas não facilita.
Seu longa seguinte, "Cabeças Cortadas", vê o funeral das ditaduras
latino-americanas. "É um filme já
meio desencantado, mas com humor e influências de Salvador Dalí
e Luis Buñuel", diz Bentes.
Em seguida, "Claro" nasceria
em Roma, filho do relacionamento entre o diretor e sua então musa (e também da nouvelle vague)
Juliet Berto. "Glauber sai de trás
da câmera e entra no filme. É um
conceito da arte moderna, como o
artista plástico de hoje que faz intervenções em si mesmo", afirma
Carlos Augusto Calil, diretor do
Centro Cultural São Paulo e um
dos principais responsáveis pela
chegada dessas produções ao Brasil, no começo dos anos 80. No entanto, acredita que esses três longas são "o início da decadência de
Glauber". "Ele quis internacionalizar o conceito de "estética da fome", mas não foi bem-sucedido."
Já os outros dois inéditos da
mostra também iluminam a obra
do cineasta. "O Pátio" (1959) retrata seus primeiros passos e, claro, divide opiniões. "É fundamental, um filme quase concretista",
acredita Bentes. "É apenas um
exercício formal que só interessa
como curiosidade", diz Calil.
"Câncer", no entanto, desperta
o interesse de Calil. Feito durante
um intervalo da equipe de produção de "Dragão...", seria o precursor de outro movimento. "É o
mais importante e radical dos filmes marginais", diz Calil.
Na onda das comemorações,
Glauber ganha retrospectiva nos
eventos do Ano do Brasil na França a partir de amanhã, além de ter
seu "Terra em Transe" recuperado para cópias em DVD e com
reestréia nos cinemas brasileiros,
ambos previstos para este ano.
A mostra na TV, no entanto,
tem seus lampejos de ousadia ao
quebrar a monotonia de protocolo de comemorações anteriores.
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