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CINEMA
Estrela de festival no Reino Unido, Pawel Pawlikowski rompe com sociologismo das atuais produções britânicas
Polonês brilha com filme de amor lésbico
LÚCIA NAGIB
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LEEDS
No debate após a projeção de
seu último filme, "My Summer of
Love" (meu verão do amor), Pawel Pawlikowski foi apresentado
como "o salvador do cinema britânico". Exageros à parte, o cineasta polonês, residente no Reino Unido desde 1977, tem razões
de sobra para ser a estrela do Festival de Cinema de Bradford, que
se encerra no sábado. Seus filmes
de ficção são ambientados nas colinas e campos de West Yorkshire, no norte da Inglaterra, onde
também se localiza Bradford. E
sua formação cinematográfica,
ainda na Varsóvia natal, incluiu
inúmeros filmes britânicos vistos
no Conselho Britânico (onde sua
mãe era funcionária), inclusive os
produzidos em Bradford, importante centro cinematográfico desde o período silencioso.
Hoje em dia, porém, Pawlikowski esnoba o cinema inglês,
que julga limitado seja pelo esquematismo sociológico ou pelo
artificialismo dos dramas de época. De fato, seus filmes dão prova
de um talento para a composição
de paisagens e tipos humanos em
tudo diverso da austera tradição
realista inglesa. É verdade que ele
também se iniciou no documentário, como manda o figurino local, trabalhando para a rede de televisão BBC no final dos anos 80.
Mas, afinal, foi demitido em 1995
por não se adaptar às crescentes
pressões comerciais sobre sua
criatividade. A partir de então
tem se dedicado à ficção, onde dá
livre curso à sua própria visão do
país e seus habitantes.
O média-metragem "Twockers" (gíria policial para jovens
delinqüentes que roubam acessórios de automóveis), de 1998, teria
tudo para se alinhar entre os tradicionais filmes de esquerda britânicos. São crianças de moradias
populares nos arredores de Halifax (West Yorkshire) que passam
o tempo negociando objetos furtados. Mas, em lugar da denúncia
social, Pawlikowski prefere focalizar a paixão platônica de um dos
moleques por uma adolescente
grávida, salpicando a história
com humor e momentos de deleite dos pequenos vândalos em
meio à sucata que colecionam no
alto das colinas.
"Last Resort", de 2000, longa de
ficção sobre uma imigrante russa,
valeu ao diretor já veterano o curioso "prêmio revelação" da Academia Britânica de Cinema e Televisão (Bafta). Mas a consagração veio com "My Summer of Love", imediato sucesso de público e
ganhador do Bafta 2004 de melhor filme britânico. Adaptação livre do romance de mesmo nome
de Helen Cross, o filme conta uma
história de amor homossexual entre duas garotas adolescentes de
classes sociais opostas. Mona, a
menina pobre, tem por hobby
pintar, dado que o diretor utiliza
para explorar cores e texturas. A
abertura é um close-up de sua
mão rabiscando freneticamente a
superfície áspera da parede de seu
quarto. A seguir, a câmera pesquisa minuciosamente seu corpo estendido na relva sob o sol, a ponto
de destacar cada sarda e mesmo
cada poro de seu rosto.
O efeito é a singularização do
personagem, embora a ótima
atriz Nathalie Press seja um exemplar comum do biótipo inglês. Assim transfigurada, Mona atrai o
olhar de Tamsin, ou melhor, do
cavalo que ela monta, do qual temos um novo close-up, desta vez
de seu olho enorme e negro, que
encontra o olho verde de Mona.
Classe alta e baixa se comunicam
pelo intermédio desse cavalo curioso, e a paixão se configura como pesquisa mútua das características físicas e intelectuais a que
ambas se entregam. Com mais
aptidão que obras declaradamente políticas, o filme delineia uma a
uma as diferenças de classe: os sotaques, as vestimentas, os gostos
artísticos, as histórias pessoais,
como a da (falsa) irmã anoréxica
de Tamsin e do (verdadeiro) irmão ex-presidiário convertido ao
cristianismo carismático de Mona. O intercâmbio dessas informações ocorre em momentos
eróticos que incluem até uma
dança ao som de Gilberto Gil.
A habilidade narrativa de Pawlikowski já chamou a atenção de
Hollywood. Um convite para dirigir "Sylvia" (filme sobre a escritora Sylvia Plath, estrelado por
Gwyneth Paltrow) ao final não
vingou "por discordâncias estéticas". Mas novas propostas têm
chegado, e especula-se até quando o diretor se contentará com os
tipos britânicos e as paisagens de
Yorkshire.
Lúcia Nagib é professora de cinema na
Universidade Estadual de Campinas e
autora de "O Cinema da Retomada" (ed.
34) e "Nascido das Cinzas" (Edusp)
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