São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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Crítica/"Contos da Palma da Mão"

Contos mostram evolução de Kawabata

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Mulheres que, numa tarde chuvosa de outono, esperam seus maridos na estação de trem. Os flocos de neve de diversos tamanhos que, nos primeiros dias do ano, invadem um quarto de hotel. Um grupo de crianças que procura gafanhotos à luz de lanternas coloridas, numa noite de verão.
É deste gênero rápido e delicadíssimo de anotações que é feita a maior parte dos contos de Yasunari Kawabata (1899-1972), e pode-se imaginar o desafio que representaram para Meiko Shimon, que os traduziu agora para o português.
"Contos da Palma da Mão" reúne 122 histórias de Kawabata, prêmio Nobel de 1968. De "Brincando na Carroça", de 1923, a "Reencontros Raros", de 1964, pode-se acompanhar a lenta evolução do estilo do autor. E também, de forma indireta, as transformações da própria sociedade japonesa.
Certa insegurança de tom e uma relativa incapacidade de dar pleno efeito a seus imensos poderes de sugestão marcam a primeira metade deste livro, na qual se concentram os contos escritos por Kawabata na década de 20.

Fase heterogênea
É também uma fase mais heterogênea quanto aos temas escolhidos. Evocações da infância rural e registros de uma sociedade em que crianças ainda eram vendidas pelos próprios pais aparecem ao lado de crônicas urbanas em que a "era do jazz" se desenvolve em Tóquio a pleno vapor. Moças destinadas a um casamento de conveniência, segundo a ordem tradicional, vêem-se ganhando a vida como "taxi-dancers" em salões de baile no bairro boêmio de Asakusa.
A extrema sensibilidade de Kawabata para os modos, os gestos, os silêncios femininos -e também para a impulsividade ruidosa das crianças- está, sem dúvida, presente desde o início.
Mas é só quando já estamos bem avançados na leitura deste volume de quase 500 páginas que surgem as obras-primas: o diálogo entre recém-casados de "As Flores de Glicínia e Morangos" (1933), o retrato das relações entre irmãs de "Dezesseis Anos" (1944), ou as cenas de namoro pré-adolescente de "O Guarda-Chuva" (1933) e de "Em Cima da Árvore" (1962).

Mudanças da natureza
Qualquer que seja a data do conto, todavia, está presente a capacidade do autor para caracterizar em poucas linhas uma paisagem, um momento específico do dia, o limiar de uma estação. Kawabata sabe interpretar as mudanças da natureza como se fossem as expressões de um rosto humano.
Se a poesia descritiva dessas páginas não chega à plena realização atingida em "Viagem ao País das Neves" e "A Casa das Belas Adormecidas", romances que a editora Estação Liberdade publicou recentemente, há em "Contos da Palma da Mão", ainda assim, uma variedade miraculosa de cores e neblinas, de noites e floradas à espera do leitor.


CONTOS DA PALMA DA MÃO
Autor:
Yasunari Kawabata
Tradução: Meiko Shimon
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 59 (496 págs.)
Avaliação: ótimo


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