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Crítica/"Contos da Palma da Mão"
Contos mostram evolução de Kawabata
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Mulheres que, numa
tarde chuvosa de outono, esperam seus
maridos na estação de trem. Os
flocos de neve de diversos tamanhos que, nos primeiros
dias do ano, invadem um quarto de hotel. Um grupo de crianças que procura gafanhotos à
luz de lanternas coloridas, numa noite de verão.
É deste gênero rápido e delicadíssimo de anotações que é
feita a maior parte dos contos
de Yasunari Kawabata (1899-1972), e pode-se imaginar o desafio que representaram para
Meiko Shimon, que os traduziu
agora para o português.
"Contos da Palma da Mão"
reúne 122 histórias de Kawabata, prêmio Nobel de 1968. De
"Brincando na Carroça", de
1923, a "Reencontros Raros",
de 1964, pode-se acompanhar a
lenta evolução do estilo do autor. E também, de forma indireta, as transformações da própria sociedade japonesa.
Certa insegurança de tom e
uma relativa incapacidade de
dar pleno efeito a seus imensos
poderes de sugestão marcam a
primeira metade deste livro, na
qual se concentram os contos
escritos por Kawabata na década de 20.
Fase heterogênea
É também uma fase mais heterogênea quanto aos temas escolhidos. Evocações da infância
rural e registros de uma sociedade em que crianças ainda
eram vendidas pelos próprios
pais aparecem ao lado de crônicas urbanas em que a "era do
jazz" se desenvolve em Tóquio
a pleno vapor. Moças destinadas a um casamento de conveniência, segundo a ordem tradicional, vêem-se ganhando a
vida como "taxi-dancers" em
salões de baile no bairro boêmio de Asakusa.
A extrema sensibilidade de
Kawabata para os modos, os
gestos, os silêncios femininos
-e também para a impulsividade ruidosa das crianças- está,
sem dúvida, presente desde o
início.
Mas é só quando já estamos
bem avançados na leitura deste
volume de quase 500 páginas
que surgem as obras-primas: o
diálogo entre recém-casados de
"As Flores de Glicínia e Morangos" (1933), o retrato das relações entre irmãs de "Dezesseis
Anos" (1944), ou as cenas de
namoro pré-adolescente de "O
Guarda-Chuva" (1933) e de
"Em Cima da Árvore" (1962).
Mudanças da natureza
Qualquer que seja a data do
conto, todavia, está presente a
capacidade do autor para caracterizar em poucas linhas
uma paisagem, um momento
específico do dia, o limiar de
uma estação. Kawabata sabe
interpretar as mudanças da natureza como se fossem as expressões de um rosto humano.
Se a poesia descritiva dessas
páginas não chega à plena realização atingida em "Viagem ao
País das Neves" e "A Casa das
Belas Adormecidas", romances
que a editora Estação Liberdade publicou recentemente, há
em "Contos da Palma da Mão",
ainda assim, uma variedade miraculosa de cores e neblinas, de
noites e floradas à espera do leitor.
CONTOS DA PALMA DA MÃO
Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Meiko Shimon
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 59 (496 págs.)
Avaliação: ótimo
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