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crítica
Murakami mergulha na ficção dos EUA
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Aos poucos, e de
maneira bem vagarosa, o público
brasileiro vem sendo apresentado ao furacão japonês Haruki Murakami. O
ritmo é determinado não
pela cronologia, mas para
onde sopram os ventos da
demanda comercial no exterior de alguns livros desse autor freqüentemente
listado para o prêmio Nobel. Primeiro chegaram
seus títulos mais vendidos,
como "Minha Querida
Sputnik" e "Norwegian
Wood" (4 milhões de
exemplares vendidos só
no Japão), ou antigas experiências no âmbito do
policial "hard-boiled", como "Caçando Carneiros" e
"Dance Dance Dance".
Agora é a vez de "Kafka à
Beira-Mar", romance cujo
êxito não se resume às cifras ofuscantes e promove
formidável convergência
das linhas narrativas dos
sucessos anteriores.
Tornado célebre por sua
crônica absolutamente
idiossincrática de amores
perdidos e impossíveis,
Murakami não pode, entretanto, ser enquadrado
nessa camisa-de-força romântica. Sua literatura,
assim como a de seus companheiros de geração Ryu
Murakami e Genichiro Takahashi, nada com amplas
braçadas na rica tradição
japonesa. O que a conforma, porém, é um verdadeiro mergulho contracorrente na ficção americana.
Não seria aqui de todo deslocado sugerir sua adesão
a certa "tradição" pós-moderna do pastiche e da
reinvenção de gêneros,
presente também na obra
de escritores ocidentais
feito Paul Auster.
Mito de Édipo
"Kafka à Beira-Mar"
consegue a proeza de meter o dedo na ferida de um
amor profundo e de extração mítica, liqüidificando
de maneira onírica o mito
de Édipo às fábulas rurais
e medievais do Japão,
além de mexer com certos
traumas latentes do pós-guerra. Nisto talvez seja o
livro mais intensamente
japonês de Murakami.
Kafka Tomura é um
adolescente de 15 anos que
foge de debaixo das asas do
pai sinistro, deixando Tóquio e uma vida traumática para trabalhar numa
pequena biblioteca de província. Abandonado pela
mãe na infância, sonha
reencontrá-la e à irmã,
mesmo tendo sido amaldiçoado pelo pai: ele haverá
de cumprir sua sina mitológica, matando o pai e copulando com a mãe. Ao
mesmo tempo, acompanha-se a trajetória de Nakata, um ancião bondoso e
idiota que tem a capacidade de conversar com gatos.
Cultuador de romances
tão extensos quanto imperfeitos, Murakami tem a
qualidade impalpável de
proporcionar experiências humanas e comovedoras ao se apoiar no absurdo.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).
KAFKA À BEIRA-MAR
Autor: Haruki Murakami
Tradução: Leiko Gotoda
Editora: Objetiva/Alfaguara
Quanto: R$ 54,90 (572 págs.)
Avaliação: ótimo
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