São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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Livros - Crítica/"Chasing the Flame"

Biografia reflete sobre Vieira de Mello

Ex-assessora de Obama faz um retrato favorável do brasileiro, mas também aponta limites do idealismo e pragmatismo

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Samantha Power é uma intelectual pública em clara ascensão nos EUA. Professora da John F. Kennedy School of Government na Universidade Harvard, vencedora do Prêmio Pulitzer pelo seu livro anterior, a respeito da incapacidade de sucessivos governos de seu país de impedirem genocídios pelo mundo, ela publicou recentemente uma biografia sobre o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Power, que além de lecionar também colabora regularmente para a revista "The New Yorker", era a principal assessora do pré-candidato à Presidência dos EUA Barack Obama até a semana passada, quando foi obrigada a demitir-se após ter chamado a outra aspirante à indicação do Partido Democrata, Hillary Clinton, de "monstro" numa entrevista.
O incidente, por mais desagradável que seja, não impedirá que ela venha a exercer papel de destaque numa eventual administração Obama a partir de 2009. E, ainda que isso não ocorra, certamente se pode supor que haja afinidades entre as idéias de Power e as do senador por Illinois que espera chegar à Casa Branca.

Mesmos princípios
"Chasing the Flame" (em busca da chama, ed. Penguin, 640 págs., US$ 32,95, cerca de R$ 56 mais frete), biografia de Viera de Mello, deixa transparecer algumas dessas idéias. Embora seja a história do funcionário da ONU que foi morto em 2003 num atentado terrorista em Bagdá, a autora não esconde que compartilha muitos dos princípios que nortearam a vida do personagem de seu trabalho.
Vieira de Mello, que nasceu em 1948 no Rio de Janeiro, filho de um diplomata brasileiro punido pelo regime militar, mas viveu quase toda sua vida a partir dos 17 anos fora do Brasil, encarnou como poucas pessoas os ideais da ONU. Se tivesse sobrevivido à explosão que destruiu a sede da missão da entidade no Iraque, ele talvez tivesse chegado à Secretaria-Geral da organização.
Em 1969, ingressou no Alto Comissariado para Refugiados da ONU. Trabalhou em Bangladesh, Khartum, Sudão, Chipre, Moçambique, Peru, Líbano, Camboja, Bósnia, Ruanda, Kosovo, Timor Leste e, finalmente, Iraque. Ao contrário de quase todos os outros personagens importantes da ONU, passou muito pouco tempo em Nova York ou Genebra. Era um homem de ação, que queria estar presente nos locais em que os fatos ocorriam.

Diálogo e força militar
A grande questão de sua vida e do livro de Power é a seguinte: faz sentido o trabalho que a ONU se propõe a fazer se ele não for sustentado por força militar capaz de garantir que seus desejos sejam cumpridos.
Adianta usar apenas de boa vontade, bons princípios e desejo de dialogar em situações nas quais a maioria dos atores só reconhece a linguagem do poder físico?
Power dá a entender que Vieira de Mello aprendeu, com o tempo, que a ONU precisava passar do conceito de manter a paz para o de impor a paz, ao menos em algumas situações. E, para tanto, necessitava vitalmente do auxílio militar das grandes potências.
O ponto de inflexão para Vieira de Mello, segundo Power, ocorreu durante a crise de Ruanda, em que as forças da ONU foram impotentes para impedir o massacre dos tutsis.
A biografia é, em geral, completamente simpática em relação a Vieira de Mello, embora não deixe de registrar aqui e ali algumas críticas a seu desempenho, por vezes movido por um idealismo quase ingênuo, outras vezes por um pragmatismo que o levava a aceitar o diálogo com líderes e movimentos políticos nos quais dificilmente se poderia confiar.
"Chasing the Flame" relata com engajamento, detalhismo, compaixão e empatia a vida de um brasileiro dedicada à humanidade. É um excelente ponto de partida para uma discussão profunda sobre o papel da ONU no século 21. E um retrato muito bem documentado de alguns dos mais dramáticos episódios da história contemporânea.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo e apresentador do programa "Roda Vida" (TV Cultura).

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