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RODAPÉ LITERÁRIO
Um brasileiro em Roma
Organizadas por Castañon Guimarães, cartas de Murilo Mendes foram conservadas por Roberto Assumpção
FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
COLUNISTA DA FOLHA
UM MAGRO maço de cartas,
trazendo apenas um dos lados de correspondência de
quase 30 anos (1943-1970) entre
um poeta e um diplomata, muito
centrada na edição de um único volume de luxo, fora do comércio, trazendo seis poemas ilustrados por
igual número de litografias. Contabilidade modesta, não fosse o livro,
"Janela do Caos" (1949), editado em
Paris, o gravurista, Francis Picabia,
e o autor, o mineiro Murilo Mendes.
Organizadas e anotadas por Júlio
Castañon Guimarães, as cartas de
Murilo foram conservadas por seu
destinatário, o embaixador Roberto
Assumpção (1916-2007), amigo que
não apenas idealizou e concretizou
o encontro textual entre o autor de
"Poesia Liberdade" e Picabia, como
o apoiou, das mais diversas formas
(cavando conferências, promovendo contatos), em sua fase de adaptação, nos primeiros anos de vida européia, a partir de 1952.
Os que assistiram ao curta-metragem "Murilo Mendes: A Poesia
em Pânico" (1972), dirigido por Alexandre Eulálio, intuíram que não
era apenas "porque raramente se
topam rinocerontes em seus parques", como, irônico, sugeriu, que o
poeta resolveu se fixar em Roma, de
1957 a sua morte, em 1975. E que,
apesar da vocação cosmopolita e da
matriz culta de sua poesia, não foi
sem divisões, nostalgia ou melancolia a opção pelo exílio branco.
As cartas trazem os bastidores e
as agruras de um intelectual brasileiro de primeira linha que ensaia
vencer o confinamento da língua,
prima-pobre na República Mundial
das Letras, arriscando-se em terra
estranha e lutando para construir
uma recepção local.
A esta altura, no pós-guerra, Murilo não era mais um desconhecido
e, entre os italianos, contava com
entusiastas talentosos, caso de Ruggero Jacobbi e Luciana Stegagno
Picchio, além da admiração de grandes nomes, como Giuseppe Ungaretti. Em Roma, foi professor de cultura e literatura brasileira. Poesia e
militância crítica acabaram por
conduzi-lo ao Prêmio Internacional
Etna-Taormina, de 1972.
A dificuldade de viver da escrita
fora do país, apropriando-se das
matrizes locais, sem perder as raízes, transpira nesse conjunto de
cartas. Elas documentam o incômodo de se ver obrigado a apelar à generosidade de amigos (que é também sua, ao mobilizar conhecidos
para zelar por outros brasileiros
ilhados no exterior) à cata de ajuda
oficial -subsídios, passagens- para
contornar o dinheiro curto.
Deixam claro o esforço necessário
para garantir apuro às traduções e a
seriedade aos editores estrangeiros
de suas antologias. Evidenciam, por
fim, que, cuidadoso com sua imagem no Brasil, o poeta em seus últimos anos ainda aspirava à eternidade a partir do branco leitoso do queijo de Minas, cidadão do mundo, mas
irrevogavelmente brasileiro.
CARTAS DE MURILO MENDES A ROBERTO ASSUMPÇÃO
Organização: Júlio Castañon Guimarães
Editora: Ed. Casa de Rui Barbosa
Quanto: R$ 13 (116 págs.)
Avaliação: ótimo
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