São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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RODAPÉ LITERÁRIO

Um brasileiro em Roma

Organizadas por Castañon Guimarães, cartas de Murilo Mendes foram conservadas por Roberto Assumpção

FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
COLUNISTA DA FOLHA

UM MAGRO maço de cartas, trazendo apenas um dos lados de correspondência de quase 30 anos (1943-1970) entre um poeta e um diplomata, muito centrada na edição de um único volume de luxo, fora do comércio, trazendo seis poemas ilustrados por igual número de litografias. Contabilidade modesta, não fosse o livro, "Janela do Caos" (1949), editado em Paris, o gravurista, Francis Picabia, e o autor, o mineiro Murilo Mendes.
Organizadas e anotadas por Júlio Castañon Guimarães, as cartas de Murilo foram conservadas por seu destinatário, o embaixador Roberto Assumpção (1916-2007), amigo que não apenas idealizou e concretizou o encontro textual entre o autor de "Poesia Liberdade" e Picabia, como o apoiou, das mais diversas formas (cavando conferências, promovendo contatos), em sua fase de adaptação, nos primeiros anos de vida européia, a partir de 1952.
Os que assistiram ao curta-metragem "Murilo Mendes: A Poesia em Pânico" (1972), dirigido por Alexandre Eulálio, intuíram que não era apenas "porque raramente se topam rinocerontes em seus parques", como, irônico, sugeriu, que o poeta resolveu se fixar em Roma, de 1957 a sua morte, em 1975. E que, apesar da vocação cosmopolita e da matriz culta de sua poesia, não foi sem divisões, nostalgia ou melancolia a opção pelo exílio branco.
As cartas trazem os bastidores e as agruras de um intelectual brasileiro de primeira linha que ensaia vencer o confinamento da língua, prima-pobre na República Mundial das Letras, arriscando-se em terra estranha e lutando para construir uma recepção local.
A esta altura, no pós-guerra, Murilo não era mais um desconhecido e, entre os italianos, contava com entusiastas talentosos, caso de Ruggero Jacobbi e Luciana Stegagno Picchio, além da admiração de grandes nomes, como Giuseppe Ungaretti. Em Roma, foi professor de cultura e literatura brasileira. Poesia e militância crítica acabaram por conduzi-lo ao Prêmio Internacional Etna-Taormina, de 1972.
A dificuldade de viver da escrita fora do país, apropriando-se das matrizes locais, sem perder as raízes, transpira nesse conjunto de cartas. Elas documentam o incômodo de se ver obrigado a apelar à generosidade de amigos (que é também sua, ao mobilizar conhecidos para zelar por outros brasileiros ilhados no exterior) à cata de ajuda oficial -subsídios, passagens- para contornar o dinheiro curto.
Deixam claro o esforço necessário para garantir apuro às traduções e a seriedade aos editores estrangeiros de suas antologias. Evidenciam, por fim, que, cuidadoso com sua imagem no Brasil, o poeta em seus últimos anos ainda aspirava à eternidade a partir do branco leitoso do queijo de Minas, cidadão do mundo, mas irrevogavelmente brasileiro.


CARTAS DE MURILO MENDES A ROBERTO ASSUMPÇÃO
Organização:
Júlio Castañon Guimarães
Editora: Ed. Casa de Rui Barbosa
Quanto: R$ 13 (116 págs.)
Avaliação: ótimo


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