São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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Crítica/"A Guerra Particular de Lênin"

Livro enfatiza episódio russo

Autora superdimensiona história dos intelectuais críticos da Revolução Russa exilados por Lênin

OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em fins de 1922, mais de 60 intelectuais críticos da Revolução Russa, que então completava cinco anos, foram despachados com suas famílias de São Petersburgo ao exílio na Europa Ocidental. O episódio, que ficaria conhecido como Vapor da Filosofia, é o ponto de partida de "A Guerra Particular de Lênin", de Lesley Chamberlain.
Entre os deportados, a maioria era conservadora e religiosa, e muitos entraram para a lista por escolha pessoal de Lênin, na época com a saúde abalada por causa do derrame sofrido meses antes.
Os expatriados gozavam de certa popularidade, mas não havia entre eles nomes que no futuro tivessem grande projeção. Uma das vítimas mais conhecidas, segundo a autora, era Nikolai Berdiaev, citado como expoente da filosofia religiosa.
O livro "A Guerra Particular de Lênin" se alonga sobre o perfil e o destino desses personagens. Berdiaev, por exemplo, que tinha a aparência de um epiléptico de Dostoiévski, era "um símbolo elementar do mundo místico que o "racional" Lênin queria banir".

Filosofia russa
Lesley Chamberlain, jornalista britânica mais conhecida por ser autora de "Nietzsche em Turim", tem intimidade com a filosofia russa, para a qual dedicou um livro, "Motherland", não publicado no Brasil.
Ela também viveu na União Soviética como correspondente estrangeira e começou a se interessar pelo Vapor da Filosofia depois de, no início dos anos 70, conhecer um filho de Semion Frank, um dos filósofos que estavam a bordo.
A autora tem, portanto, credenciais para tratar do expurgo promovido pelo líder dos bolcheviques. O problema é que o tema não rende tanto assim.
No contexto soviético, de assassinatos e campos de trabalhos forçados, o exílio foi uma punição suave, como ela própria admite. O Vapor da Filosofia não deveria ser, por isso, mais do que uma nota de rodapé da história soviética. Robert Service, que escreveu uma biografia crítica de Lênin, nem cita o episódio em seu livro. Na realidade, o plano inicial do revolucionário, de acordo com Service, era fuzilar as pessoas ligadas à igreja ortodoxa.
Embora tenha superdimensionado o fato, Chamberlain acerta ao associá-lo ao totalitarismo. Não se trata de avaliar o mérito dos filósofos dissidentes, mas apenas de notar que eles valorizavam uma individualidade proibida. "Quando Lênin baniu o homem interior, ele deu o passo decisivo para transformar o mundo soviético em um mundo desumano", afirma a autora.
Ela não faz a comparação, mas sua observação sugere, em linha com interpretações mais recentes, que as diferenças entre Lênin e o seu sucessor, Stálin, seriam mais de grau do que de natureza.
A polêmica fica por conta de uma aproximação inusitada. Chamberlain diz que Lênin fez na política o que Wittgenstein fez na filosofia, já que ambos rejeitavam a metafísica. É por isso, diz ela, que até hoje se pode dizer que Lênin fez algo "wittgensteinianamente bom".


OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).

A GUERRA PARTICULAR DE LÊNIN
Autora:
Lesley Chamberlain
Tradução: Alexandre Martins
Editora: Record
Quanto: R$ 60 (420 págs.)
Avaliação: regular


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