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Crítica/"A Guerra Particular de Lênin"
Livro enfatiza episódio russo
Autora superdimensiona história dos intelectuais críticos da Revolução Russa exilados por Lênin
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em fins de 1922, mais de
60 intelectuais críticos
da Revolução Russa,
que então completava cinco
anos, foram despachados com
suas famílias de São Petersburgo ao exílio na Europa Ocidental. O episódio, que ficaria conhecido como Vapor da Filosofia, é o ponto de partida de "A
Guerra Particular de Lênin", de
Lesley Chamberlain.
Entre os deportados, a maioria era conservadora e religiosa,
e muitos entraram para a lista
por escolha pessoal de Lênin,
na época com a saúde abalada
por causa do derrame sofrido
meses antes.
Os expatriados gozavam de
certa popularidade, mas não
havia entre eles nomes que no
futuro tivessem grande projeção. Uma das vítimas mais conhecidas, segundo a autora, era
Nikolai Berdiaev, citado como
expoente da filosofia religiosa.
O livro "A Guerra Particular
de Lênin" se alonga sobre o
perfil e o destino desses personagens. Berdiaev, por exemplo,
que tinha a aparência de um
epiléptico de Dostoiévski, era
"um símbolo elementar do
mundo místico que o "racional"
Lênin queria banir".
Filosofia russa
Lesley Chamberlain, jornalista britânica mais conhecida
por ser autora de "Nietzsche
em Turim", tem intimidade
com a filosofia russa, para a
qual dedicou um livro, "Motherland", não publicado no
Brasil.
Ela também viveu na União
Soviética como correspondente estrangeira e começou a se
interessar pelo Vapor da Filosofia depois de, no início dos
anos 70, conhecer um filho de
Semion Frank, um dos filósofos
que estavam a bordo.
A autora tem, portanto, credenciais para tratar do expurgo
promovido pelo líder dos bolcheviques. O problema é que o
tema não rende tanto assim.
No contexto soviético, de assassinatos e campos de trabalhos forçados, o exílio foi uma
punição suave, como ela própria admite.
O Vapor da Filosofia não deveria ser, por isso, mais do que
uma nota de rodapé da história
soviética. Robert Service, que
escreveu uma biografia crítica
de Lênin, nem cita o episódio
em seu livro. Na realidade, o
plano inicial do revolucionário,
de acordo com Service, era
fuzilar as pessoas ligadas à igreja ortodoxa.
Embora tenha superdimensionado o fato, Chamberlain
acerta ao associá-lo ao totalitarismo. Não se trata de avaliar o
mérito dos filósofos dissidentes, mas apenas de notar que
eles valorizavam uma individualidade proibida.
"Quando Lênin baniu o homem interior, ele deu o passo
decisivo para transformar o
mundo soviético em um mundo desumano", afirma a autora.
Ela não faz a comparação, mas
sua observação sugere, em linha com interpretações mais
recentes, que as diferenças entre Lênin e o seu sucessor, Stálin, seriam mais de grau do que
de natureza.
A polêmica fica por conta de
uma aproximação inusitada.
Chamberlain diz que Lênin fez
na política o que Wittgenstein
fez na filosofia, já que ambos rejeitavam a metafísica. É por isso, diz ela, que até hoje se pode
dizer que Lênin fez algo "wittgensteinianamente bom".
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A
História do Brasil no Século 20" (em cinco volumes, pela Publifolha).
A GUERRA PARTICULAR DE LÊNIN
Autora: Lesley Chamberlain
Tradução: Alexandre Martins
Editora: Record
Quanto: R$ 60 (420 págs.)
Avaliação: regular
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