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Êxito de "Se Eu Fosse ..." questiona cinema brasileiro
Num ambiente que privilegia produções "autorais", filme de Daniel Filho lembra a tradicional força da comédia no país
Críticos e cineastas explicam sucesso citando preferência do público pelo gênero e a intimidade do longa com o universo da televisão
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
A liderança de público (5,479
milhões) e de renda (R$ 46,2
milhões) do longa "Se Eu Fosse
Você 2" nas bilheterias brasileiras neste ano revela mais do
que a capacidade do país de
produzir um filme-fenômeno.
O êxito extraordinário do título de Daniel Filho expõe também o que falta à indústria nacional de cinema. Embora com
lançamentos crescentes, o Brasil raramente detém mais do
que 10% do total do público.
"Faz falta o gênero "comédia
picaresca", que respondeu pelo
maior sucesso do cinema brasileiro, "Dona Flor e Seus Dois
Maridos" (1976) [público de
cerca de 11 milhões] e para o
qual temos vocação e talento",
diz Gustavo Dahl, ex-presidente da Agência Nacional do Cinema, atual gerente do Centro
Técnico do Audiovisual.
A prevalência da comédia no
gosto popular chama a atenção
também do crítico e professor
da USP Ismail Xavier. "Não temos no cinema uma forte tradição do melodrama, ao contrário de Hollywood e dos cinemas
argentino e mexicano", diz ele.
No cinema brasileiro, afirma
Xavier, "o eixo dominante caminhou do teatro de revista para a chanchada ou para filmes
como "Absolutamente Certo"
[1957], de Anselmo Duarte, que
já dialogava com a TV".
Cinema e TV
A aproximação de "Se Eu
Fosse Você 2", estrelado por
Glória Pires e Tony Ramos,
com o universo da TV é citada
também por Dahl, que assinala
a oposição entre o "cinema comercial" e o "cinema de autor",
refletida na disputa por recursos de produção.
"Daniel Filho fazia TV como
se fosse cinema e faz cinema
como se fosse TV. Tem intimidade com a comicidade brasileira. Só que comédia é artesanato; artesanato é disciplina, o
oposto do geralmente entendido como cinema autoral", diz.
Segundo o ex-presidente da
Ancine, "3/4 do investimento
em produção cinematográfica
via leis de renúncia fiscal é direcionado para o cinema autoral,
deixando a indústria de entretenimento brasileiro por conta
da TV". "Se Eu Fosse Você 2"
custou R$ 6 milhões, reunidos
com o uso das leis de incentivo
à cultura via renúncia fiscal.
"Fato isolado"
Para o diretor José Eduardo
Belmonte ("Meu Mundo em
Perigo", "Se Nada Mais Der
Certo"), cujos filmes são consagrados em festivais, mas dificilmente alcançam o público, o
sucesso de "Se Eu Fosse Você
2", que "não há como não celebrar", é um "fato isolado" no
contexto da produção nacional.
"Nosso cinema comercial vinha mal das pernas. Antes dele,
várias comédias populares com
uma estética menos elaborada
fracassaram enormemente."
O cineasta Cacá Diegues, no
entanto, vê no êxito de "Se Eu
Fosse Você 2" um sinal de vigor
da produção de cinema no Brasil. "Não pode existir um cinema nacional consolidado sem
uma cumplicidade com o público, embora seja necessário garantir sempre a manifestação
daqueles que desejam mudar o
gosto do público. E Daniel Filho tem o faro do público, sabe
como conquistá-lo", afirma.
Já Inácio Araujo, crítico da
Folha, acha "doentio que um
filme faça 5 milhões de espectadores e a maioria dos demais
filmes faça 5.000, 10 mil ou coisa parecida". Em 2008, entre 91
longas nacionais lançados, só
16 ultrapassaram 100 mil espectadores. Para Araujo, esse
"é um problema que se deveria
começar a levar a sério". Quanto ao longa de Daniel Filho, diz:
"Parece-me um filme que deve
existir, um filme divertido. Será muito ruim que se converta
em modelo para alguma coisa".
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