São Paulo, domingo, 15 de março de 2009

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Êxito de "Se Eu Fosse ..." questiona cinema brasileiro

Num ambiente que privilegia produções "autorais", filme de Daniel Filho lembra a tradicional força da comédia no país

Críticos e cineastas explicam sucesso citando preferência do público pelo gênero e a intimidade do longa com o universo da televisão


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

A liderança de público (5,479 milhões) e de renda (R$ 46,2 milhões) do longa "Se Eu Fosse Você 2" nas bilheterias brasileiras neste ano revela mais do que a capacidade do país de produzir um filme-fenômeno.
O êxito extraordinário do título de Daniel Filho expõe também o que falta à indústria nacional de cinema. Embora com lançamentos crescentes, o Brasil raramente detém mais do que 10% do total do público.
"Faz falta o gênero "comédia picaresca", que respondeu pelo maior sucesso do cinema brasileiro, "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976) [público de cerca de 11 milhões] e para o qual temos vocação e talento", diz Gustavo Dahl, ex-presidente da Agência Nacional do Cinema, atual gerente do Centro Técnico do Audiovisual.
A prevalência da comédia no gosto popular chama a atenção também do crítico e professor da USP Ismail Xavier. "Não temos no cinema uma forte tradição do melodrama, ao contrário de Hollywood e dos cinemas argentino e mexicano", diz ele.
No cinema brasileiro, afirma Xavier, "o eixo dominante caminhou do teatro de revista para a chanchada ou para filmes como "Absolutamente Certo" [1957], de Anselmo Duarte, que já dialogava com a TV".

Cinema e TV
A aproximação de "Se Eu Fosse Você 2", estrelado por Glória Pires e Tony Ramos, com o universo da TV é citada também por Dahl, que assinala a oposição entre o "cinema comercial" e o "cinema de autor", refletida na disputa por recursos de produção.
"Daniel Filho fazia TV como se fosse cinema e faz cinema como se fosse TV. Tem intimidade com a comicidade brasileira. Só que comédia é artesanato; artesanato é disciplina, o oposto do geralmente entendido como cinema autoral", diz.
Segundo o ex-presidente da Ancine, "3/4 do investimento em produção cinematográfica via leis de renúncia fiscal é direcionado para o cinema autoral, deixando a indústria de entretenimento brasileiro por conta da TV". "Se Eu Fosse Você 2" custou R$ 6 milhões, reunidos com o uso das leis de incentivo à cultura via renúncia fiscal.

"Fato isolado"
Para o diretor José Eduardo Belmonte ("Meu Mundo em Perigo", "Se Nada Mais Der Certo"), cujos filmes são consagrados em festivais, mas dificilmente alcançam o público, o sucesso de "Se Eu Fosse Você 2", que "não há como não celebrar", é um "fato isolado" no contexto da produção nacional.
"Nosso cinema comercial vinha mal das pernas. Antes dele, várias comédias populares com uma estética menos elaborada fracassaram enormemente."
O cineasta Cacá Diegues, no entanto, vê no êxito de "Se Eu Fosse Você 2" um sinal de vigor da produção de cinema no Brasil. "Não pode existir um cinema nacional consolidado sem uma cumplicidade com o público, embora seja necessário garantir sempre a manifestação daqueles que desejam mudar o gosto do público. E Daniel Filho tem o faro do público, sabe como conquistá-lo", afirma.
Já Inácio Araujo, crítico da Folha, acha "doentio que um filme faça 5 milhões de espectadores e a maioria dos demais filmes faça 5.000, 10 mil ou coisa parecida". Em 2008, entre 91 longas nacionais lançados, só 16 ultrapassaram 100 mil espectadores. Para Araujo, esse "é um problema que se deveria começar a levar a sério". Quanto ao longa de Daniel Filho, diz: "Parece-me um filme que deve existir, um filme divertido. Será muito ruim que se converta em modelo para alguma coisa".


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