MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os Cariocas estavam na batalha havia mais de 15 anos anos quando João Gilberto gravou "Chega de Saudade", no mitológico 78 rotações que inauguraria, em 1958, a bossa nova. Eram, portanto, veteranos.
Mas o grupo tinha ali uma pegada muito mais moderna do que a da maioria de seus contemporâneos -influência vinda especialmente dos quartetos vocais americanos. E foi absorvido pelo movimento que nascia sem nenhuma dificuldade, a ponto de, a partir de então, ter seus LPs colocados na mesma prateleira que os dos artistas originais da bossa.
"Nossa Alma Canta", álbum que lançam agora, honra essa linhagem. Nele, Os Cariocas recriam vários clássicos do movimento, como "Você" (Roberto Menescal/Ronaldo Bôscoli), "Estrada do Sol" (Tom Jobim/ Dolores Duran) e "Rapaz de Bem" (Johnny Alf).
Receita antiga demais? Contra eles, pesa o fato de tal repertório estar quase no bagaço, tão sugado que foi em inúmeras regravações. O mesmo vale para algumas das mais novas do disco, como "Futuros Amantes" (Chico Buarque).
Mas Os Cariocas têm um trunfo. E conta pontos a favor do trabalho o estranhamento que os arranjos vocais produzidos por eles voltou a causar no ouvinte de hoje, já tão condicionado à simplicidade da música pop, ao vocalista solitário.
Se ninguém acha mais graça em ouvir artistas com violãozinho em punho emulando João Gilberto, a experiência de se deixar levar pela malha vocal dos quatro Cariocas é quase a de uma primeira viagem.

Bom resultado
Eles continuam craques nas intrincadas harmonias a quatro vozes. Os melhores resultados aparecem em "Baiãozinho" (Eumir Deodato), que conta com o piano Rodhes do autor; "Clube da Esquina 2" (Milton Nascimento/Lô e Marcio Borges), com Milton fazendo a quinta voz em falsete; a vinheta "Intro Jet Samba" (Severino Filho) e "Delírio Carioca" (Guinga/Aldir Blanc).
João Donato participa em "Rio que Corre", bissexta parceria dele e do irmão Lysias Enio com Beth Carvalho. Marcos Valle, na sua "Jet Samba". Na versão 2010, Os Cariocas são Severino Filho, Eloi Vicente, Hernane Castro e Neil Teixeira. Dos quatro, apenas Severino está desde o início. Badeco, outro dos integrantes originais, participa em uma faixa.
O grupo ficou separado por mais de 20 anos. Romperam na sequência do lançamento do ótimo LP "Passaporte" (1966) e retornaram, com a mesma formação, para gravar o fracote CD "Minha Namorada" (1990).
Desde então, lançaram seis álbuns, um deles com Tim Maia, e um DVD. Modificaram-se. Perderam e ganharam integrantes. "Nossa Alma Canta" justifica o retorno do quarteto à cena como nenhum dos trabalhos pós-"Passaporte" ainda havia conseguido fazer.