São Paulo, sábado, 15 de abril de 2000


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LIVRO - LANÇAMENTOS
Hobsbawm sonda o futuro em cadência musical

NICOLAU SEVCENKO
especial para a Folha

Mestre Hobsbawm ataca outra vez. Um dos mais celebrados dentre os historiadores vivos, o professor Eric Hobsbawm, da Universidade de Londres, está lançando no Brasil o seu mais recente livro, "O Novo Século", pela editora Companhia das Letras.
O livro resulta de uma série de entrevistas concedidas a Antonio Polito, correspondente em Londres do jornal italiano "La Repubblica".
Depois de ter composto o mais completo painel do período contemporâneo, com sua monumental tetralogia "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios" e "A Era dos Extremos", o mestre acrescenta agora uma espécie de capítulo final, examinando as tendências dominantes do fim do século 20 e refletindo sobre seus efeitos na definição do que poderá ser o 21.
Ao contrário do que possa parecer, as cogitações do professor Hobsbawm estão longe de representar um mero exercício de futurologia. Sua obra é uma prova cabal do grau de maturidade e sofisticação que o raciocínio histórico atingiu na atualidade.
Num momento em que a aceleração tecnológica contrai a percepção do tempo, fazendo com que as pessoas, em especial os mais jovens, tenham dificuldade em distinguir o que ocorreu há cinco ou 50 anos, a consciência histórica se torna uma ferramenta particularmente estratégica para enfrentar a nova realidade.
Pensar historicamente significa pensar os efeitos transformadores do tempo, tanto no sentido retrospectivo, em relação ao passado, quanto prospectivo, em direção ao futuro. É o que permite desprender-se do imediatismo do presente, capacitando as pessoas não apenas a planejar, mas a projetar.
O pensamento histórico introduz o sentido da responsabilidade diante do tempo, incita a pensar e agir considerando as gerações futuras, a coesão da sociedade, os valores culturais e a preservação dos recursos da natureza.
O livro tem a força de uma aula magna sobre esse sentido de responsabilidade histórica. A conversa é conduzida por Antonio Polito numa cadência musical de fuga, em que, às vezes, ele toma a iniciativa e procura acuar o entrevistado. Outras vezes, é o historiador quem põe em xeque o jornalista.
O tom informal da entrevista expõe as qualidades mais típicas de Hobsbawm, sua fala clara, elegante, sóbria, suavemente repassada de entonações afetivas. Livre dos rigores exigidos em seus livros de pesquisa, ele examina tendências gerais e de longa duração, usando exemplos das mais diversas áreas, com a desenvoltura de quem faz o balanço de toda uma vida de estudos, reflexões e militância.
Os temas são vários e repassam os aspectos mais significativos do mundo contemporâneo. Por que o fim da Guerra Fria multiplicou, em vez de arrefecer, os conflitos pelo mundo? Qual é a natureza da guerra moderna, com as chamadas armas inteligentes e que efeito ela terá na redefinição do equilíbrio político internacional? Como explicar, em meio à globalização, a intensificação dos ardores nacionalistas e das intolerâncias étnicas e raciais? Os Estados nacionais têm seus dias contados? O que poderá substituí-los e que consequências isso terá sobre os direitos e garantias duramente adquiridos pelas populações?
Haverá futuro para a esquerda? Quais podem ser suas novas plataformas? Qual é o impacto político das novas tecnologias? Haverá limites para o desemprego, qual será seu custo para a sociedade?
Com sua verve crítica afiada, Hobsbawm desanca os satisfeitos e conformistas de plantão. A começar por Tony Blair, "uma Thatcher de calças".
Para o historiador "a moda neoliberal está se exaurindo, se é que já não acabou". Pode causar surpresa em Brasília, mas para ele um dos marcos do final do século 20 é "a bancarrota do fundamentalismo neoliberal".
Na nova situação a agenda mudou. "Não se trata de aumentar a produção, pois isso já foi alcançado. A verdadeira dificuldade está em distribuir a riqueza produzida" ou em combater o "apartheid social". Este seria o principal papel do Estado agora que "suas funções redistributivas são mais importantes que nunca".
Nossa maior herança para o novo século seria ainda a sublime aspiração à justiça.


Nicolau Sevcenko é professor de história da cultura da USP e autor de "Orfeu Extático na Metrópole" (Companhia das Letras), entre outros.

Avaliação:    


Livro: O Novo Século Título Original: On The Edge Of The New Century Autores: Eric Hobsbawm e Antonio Polito Tradutor: Claudio Marcondes Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 24 (200 págs.)

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