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LIVRO - LANÇAMENTOS
Hobsbawm sonda o futuro em cadência musical
NICOLAU SEVCENKO
especial para a Folha
Mestre Hobsbawm ataca outra
vez. Um dos mais celebrados dentre os historiadores vivos, o professor Eric Hobsbawm, da Universidade de Londres, está lançando no Brasil o seu mais recente livro, "O Novo Século", pela
editora Companhia das Letras.
O livro resulta de uma série de
entrevistas concedidas a Antonio
Polito, correspondente em Londres do jornal italiano "La Repubblica".
Depois de ter composto o mais
completo painel do período contemporâneo, com sua monumental tetralogia "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era
dos Impérios" e "A Era dos Extremos", o mestre acrescenta agora
uma espécie de capítulo final, examinando as tendências dominantes do fim do século 20 e refletindo sobre seus efeitos na definição
do que poderá ser o 21.
Ao contrário do que possa parecer, as cogitações do professor
Hobsbawm estão longe de representar um mero exercício de futurologia. Sua obra é uma prova cabal do grau de maturidade e sofisticação que o raciocínio histórico
atingiu na atualidade.
Num momento em que a aceleração tecnológica contrai a percepção do tempo, fazendo com
que as pessoas, em especial os
mais jovens, tenham dificuldade
em distinguir o que ocorreu há
cinco ou 50 anos, a consciência
histórica se torna uma ferramenta
particularmente estratégica para
enfrentar a nova realidade.
Pensar historicamente significa
pensar os efeitos transformadores
do tempo, tanto no sentido retrospectivo, em relação ao passado, quanto prospectivo, em direção ao futuro. É o que permite
desprender-se do imediatismo do
presente, capacitando as pessoas
não apenas a planejar, mas a projetar.
O pensamento histórico introduz o sentido da responsabilidade
diante do tempo, incita a pensar e
agir considerando as gerações futuras, a coesão da sociedade, os
valores culturais e a preservação
dos recursos da natureza.
O livro tem a força de uma aula
magna sobre esse sentido de responsabilidade histórica. A conversa é conduzida por Antonio
Polito numa cadência musical de
fuga, em que, às vezes, ele toma a
iniciativa e procura acuar o entrevistado. Outras vezes, é o historiador quem põe em xeque o jornalista.
O tom informal da entrevista
expõe as qualidades mais típicas
de Hobsbawm, sua fala clara, elegante, sóbria, suavemente repassada de entonações afetivas. Livre
dos rigores exigidos em seus livros de pesquisa, ele examina tendências gerais e de longa duração,
usando exemplos das mais diversas áreas, com a desenvoltura de
quem faz o balanço de toda uma
vida de estudos, reflexões e militância.
Os temas são vários e repassam
os aspectos mais significativos do
mundo contemporâneo. Por que
o fim da Guerra Fria multiplicou,
em vez de arrefecer, os conflitos
pelo mundo? Qual é a natureza da
guerra moderna, com as chamadas armas inteligentes e que efeito
ela terá na redefinição do equilíbrio político internacional? Como
explicar, em meio à globalização,
a intensificação dos ardores nacionalistas e das intolerâncias étnicas e raciais? Os Estados nacionais têm seus dias contados? O
que poderá substituí-los e que
consequências isso terá sobre os
direitos e garantias duramente
adquiridos pelas populações?
Haverá futuro para a esquerda?
Quais podem ser suas novas plataformas? Qual é o impacto político das novas tecnologias? Haverá
limites para o desemprego, qual
será seu custo para a sociedade?
Com sua verve crítica afiada,
Hobsbawm desanca os satisfeitos
e conformistas de plantão. A começar por Tony Blair, "uma Thatcher de calças".
Para o historiador "a moda neoliberal está se exaurindo, se é que
já não acabou". Pode causar surpresa em Brasília, mas para ele
um dos marcos do final do século
20 é "a bancarrota do fundamentalismo neoliberal".
Na nova situação a agenda mudou. "Não se trata de aumentar a
produção, pois isso já foi alcançado. A verdadeira dificuldade está
em distribuir a riqueza produzida" ou em combater o "apartheid
social". Este seria o principal papel do Estado agora que "suas
funções redistributivas são mais
importantes que nunca".
Nossa maior herança para o novo século seria ainda a sublime aspiração à justiça.
Nicolau Sevcenko é professor de história
da cultura da USP e autor de "Orfeu Extático
na Metrópole" (Companhia das Letras), entre
outros.
Avaliação:
Livro: O Novo Século
Título Original: On The Edge Of The
New Century
Autores: Eric Hobsbawm e Antonio
Polito
Tradutor: Claudio Marcondes
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 24 (200 págs.)
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