São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

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MÚSICA

Com animação e técnica, DJs brasileiros de drum'n'bass e tecno pretendem fazer o público suar no Skol Beats, em SP

Marky e Murphy querem "encharcar" festival

Fernando Donasci/Folha Imagem
Os DJs Marky (esq.) e Murphy, em SP


THIAGO NEY
DA REDAÇÃO

Amanhã é dia de Skol Beats. Um pouco mais específico: amanhã é dia de Marky fazer chover. E há boas chances de a água espirrar dentro de outra tenda do festival.
Marky é Marco Antônio da Silva, 31, produtor e DJ de drum'n'bass, atualmente um dos mais famosos e prestigiados artistas brasileiros no exterior. Quando toca no festival (que chega à sexta edição), a comoção é tão grande que alguns choram, muitos pulam e gritam e outros até dançam. A tenda fica tão quente que o suor evapora, condensa e cai novamente nos clubbers. E a música continua, bem alta.
A histeria é causada, principalmente, pelo carisma, pela técnica afiada e pela animação de Marky atrás dos toca-discos. Já Marcos Santos, o DJ Murphy, 26, levou para o mundo do tecno o mesmo carisma, técnica afiada e animação com que Marky ficou conhecido no meio drum'n'bass.
Mais do que estilo, é quase inspiração. "Fui "pista" do Marky na Toco, na Sound Factory [antigas discotecas da zona leste de São Paulo]", conta Murphy, lembrando do início dos anos 90. ""Chupinhava" o set, pois tudo o que ele tocava virava hit. A gente ia nas lojas depois procurar os discos." "O Murphy traz coisas novas, ele constrói um tecno em cima de vários elementos", elogia o amigo.
Marky é espelho não apenas para Murphy. Autor de um elogiado disco ("In Rotation", feito ao lado de Xerxes em 2004), é residente de um concorrido clube londrino (o The End) e atração de festas que vão da Califórnia à Austrália, passando por Japão e Rússia. Em junho, tocará pela quarta vez no gigantesco festival britânico Glastonbury, ao lado de White Stripes New Order, Fatboy Slim e Coldplay. O que o faz tão especial?
"Acho que é a energia que passo em meus sets. Cerca de 70% das músicas que toco são o que gosto; 30% é do público. Hoje estou mais preocupado com a musicalidade de meus sets, não em fazer scratches ou efeitos. Está faltando informação", afirma. "Na época [1999, quando tocou em Londres pela primeira vez], havia musicalidade, mas faltava técnica."
Murphy, que começou a chamar a atenção em 2000, ao ganhar um campeonato de DJs, concorda. "Quando apareci, a técnica foi o que fez a diferença, pois no tecno era muito difícil encontrar um DJ que fizesse scratches e truques. Hoje deixo a música rolar mais, coloco mais vocais, coisas dos anos 80", diz ele, que embarca para Bélgica e República Tcheca no mês que vem, onde tocará em dois festivais; entre julho e agosto, excursionará pela Europa.
"Agora sinto que preciso tocar um instrumento. O toca-discos não é mais suficiente", afirma Marky, cujo pai tocava todos os instrumentos de corda.

Despedido
Hoje financeiramente independentes, os dois concordam que, no Brasil, o DJ ainda não é levado (tão) a sério. "Me dão muito mais valor lá fora do que aqui", reclama Marky, que já trabalhou como mecânico, fazendo abajur, consertando máquina de escrever, como office-boy e em lojas de discos. "Até o dia em que passei a não pedir mais dinheiro, meu pai dizia que era bobagem, que não iria dar certo [ser DJ]. O músico é levado a sério; o DJ, não", conta Murphy, que, aos 12 anos, já era ajudante num auto-elétrico.
Se não deu certo em inúmeras profissões, o início como DJ não foi fácil para Marky. "Todo o dinheiro que ganhava era para comprar discos, não tinha nem roupa para ir às festas. Na minha primeira residência [no clube Showbusiness, na Penha, em 1990], chegava para tocar com meu set inteirinho montado em casa, o público sabia o que eu ia tocar. Fui mandado embora. O dono disse que eu não era DJ de verdade. Com isso aprendi."
A lição foi recompensadora. Marky é o único residente do Lov.e que está no clube paulistano desde que ele abriu, há sete anos. E é ele o autor de "LK", a canção feita com Xerxes que, carregando um sampler de Toquinho e Jorge Ben, chegou ao 17º lugar na parada britânica de singles, em 2002.
"O disco do Toquinho era do meu pai. Eu e Xerxes sampleamos um pedaço e fizemos o meio da música, mas não sabíamos como terminá-la nem começá-la. Demoramos duas semanas para acabar, foi a que demorou mais tempo. Fizemos coisas bem melhores, mas que ninguém se identificou."
A mistura do drum'n'bass com música popular brasileira virou rotina. Marky fala como um pioneiro: "Quando chego no Skol Beats e vejo a tenda lotada, me sinto como um herói. É fruto de trabalho persistente, pois o drum'n'bass é uma música difícil, quebrada, difícil de ser assimilada", afirma o DJ, pai de um filho de um mês.
Se como DJ já é nome estabelecido, Murphy pretende ganhar espaço agora como produtor. "Estou com 12 "releases" [lançamentos] programados até o final do ano, em parceria com o [DJ alemão] Christian Fischer. Quero deslanchar como produtor", diz.
Mesmo sem muitas músicas próprias, Murphy faz de seus sets uma apresentação autoral. Quando toca "Blue Monday", por exemplo, mexe de tal forma na canção, fazendo sobreposições com outros elementos, que a música passa a ser dele, e não do New Order. Se ele tocá-la no Skol Beats, no início da manhã de domingo, há boas chances de fazer chover dentro da tenda.


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