São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

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CINEMA

Estréia de Marilia Rocha venceu o É Tudo Verdade

Festival de Recife ouve o canto dos vaqueiros em documentário "Aboio"

TEREZA NOVAES
ENVIADA ESPECIAL A RECIFE

Um canto melancólico ecoava pelo sertão do país em tempos passados. Entoada pelos vaqueiros para "conversar" com o rebanho, a melodia é tema do documentário "Aboio", de Marilia Rocha, uma das atrações de hoje do Cine-PE, festival que acontece em Recife até terça-feira.
Melhor documentário brasileiro do É Tudo Verdade, encerrado em São Paulo no último sábado, "Aboio" é o primeiro longa da diretora de 27 anos. "Já havia sido um prêmio ser selecionada para o festival, ganhar foi um susto. Custei a acreditar", diz Rocha.
"Há cinco anos, descobri o aboio e fiquei muito atraída pela imagem do vaqueiro cantando para o gado. Sabia que existia, mas que não era muito fácil de achar", conta a mineira.
O aboio lembra um lamento e é um "instrumento" para acalmar o rebanho, conduzir o gado até as pastagens e orientar outros vaqueiros.
Com a domesticação total dos animais e a modernização das técnicas de criação, o canto perdeu sua utilidade e se tornou uma prática em extinção. Segundo Marilia, apenas os mais antigos sabem "aboiar" e nenhum continua a usá-lo no trato com os animais.
Apesar de ter perdido sua função original, o filme mostra como o aboio foi absorvido pela cultura popular. "Há uma coisa nostálgica, uma saudade. Mas o aboio se transformou e, de alguma forma, continua presente, sendo incorporado pela música de Naná Vasconcelos e do Cordel do Fogo Encantado", relata.
Como os vaqueiros de Guimarães Rosa, cuja sabedoria vai muito além da boiada, os entrevistados do documentário trazem a poesia em suas falas.
"Eles têm um conhecimento e uma sensibilidade tremenda, um jeito especial de lidar e mostrar as coisas. É o aprendizado através da experiência", conta a diretora.
Dois vaqueiros, ambos baianos, chamaram a atenção da diretora: Ioiô Pituba, que demonstra como identifica o que as vacas estão fazendo pelo barulho de seus chocalhos amarrados ao pescoço, e Lêro, que é analfabeto, mas faz versos sobre um boi fugitivo que nunca é pego. "É o olhar do boi pelo vaqueiro, um ponto de vista totalmente diferente."
Além dos depoimentos, o filme, captado em vídeo e super-8, tem belas seqüências do sertão e muitas imagens fechadas dos animais. "De maneira plástica, o resultado dá a idéia da mistura de homem e boi. Não se sabe quem é o homem e quem é o bicho."
Para rodar o filme, a equipe viajou de carro pelo norte de Minas, pela Bahia e por Pernambuco durante um mês, percorrendo 10 mil km, sem pesquisa de campo prévia. "A pesquisa era o filme, uma pessoa ia levando a outra."

Abertura
Na noite de abertura do festival, anteontem, os 2.600 lugares do cine-teatro Guararapes estavam ocupados por um público majoritariamente jovem. A principal atração era "Casa de Areia", de Andrucha Waddington.
Apresentado antes do longa, o documentário "A Música Armorial", de Ana Paula Campos, dividiu a platéia em aplausos e vaias, após os depoimentos de Ariano Suassuna e de Silvério.
Menos polêmico, o documentário "Fuloresta do Samba", de Marcelo Pinheiro, sobre a banda que reúne músicos tradicionais de maracatu e Siba (jovem que integra também a banda Mestre Ambrósio), foi muito aplaudido.
A sala fica no Centro de Convenções, onde acontece, a partir de hoje até domingo, o 13º Abril Pro Rock. É a primeira vez que a data dos dois eventos coincide.


A jornalista Tereza Novaes viaja a convite do Cine-PE


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