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DRAUZIO VARELLA
Genomas a preços módicos
Descubra os segredos de
sua herança genética por R$
2.000; serviço rápido e confidencial. Arrisco dizer que em menos
de dez anos você, leitor incrédulo,
verá um comercial como este.
Em 1985, num congresso na cidade de Washington, assisti a um
debate sobre um grande projeto a
ser lançado em 1990, com a inacreditável intenção de mapear e
seqüenciar todos os genes humanos num período de 15 anos, ao
custo de US$ 3 bilhões: o Projeto
Genoma.
A discussão foi acalorada: os
defensores afirmavam que o conhecimento da estrutura dos 100
mil genes humanos (número suposto na época) representaria um
passo gigantesco em direção ao
entendimento e à cura do câncer,
de doenças genéticas e neurológicas e de muitas outras; os detratores questionavam alguns dos possíveis benefícios, duvidavam que
15 anos fossem suficientes para a
empreitada e que as despesas ficassem restritas aos US$ 3 bilhões.
Havia razões de sobra para críticas. Os autores do projeto admitiam que essa quantia seria insuficiente com a tecnologia disponível naqueles dias, mas que a estimativa se tornaria razoável se
fossem contados os avanços científicos dos anos vindouros.
Dois anos antes do prazo previsto, o Projeto Genoma chegou ao
fim. Ficamos sabendo como estão
ordenados em nossos cromossomos os 30 mil genes (em vez dos
100 mil imaginados) responsáveis
pela condição humana, a um custo que se aproximou dos US$ 3 bilhões.
No mês passado, um grupo de
cientistas completou o rascunho
do seqüenciamento genético do
segundo primata não-humano (o
primeiro a ter seus genes conhecidos foi o chimpanzé, nosso parente mais próximo): o macaco rhesus. Com um número de genes
igual ao nosso, o custo do genoma
do rhesus foi de US$ 22 milhões:
150 vezes mais barato do que o
humano.
Uma companhia americana
anuncia para o final do corrente
ano o seqüenciamento do genoma de um mamífero por US$ 100
mil, quantia que representa uma
redução de custo de 3.000 vezes
em relação ao Projeto Genoma
original; economia obtida em
apenas seis anos.
Como não existem princípios físicos ou biológicos que impeçam o
desenvolvimento de seqüenciadores automáticos, capazes de realizar a mesma tarefa por muito
menos, o National Institute of
Health, dos Estados Unidos, lançou em 2004 um programa de
US$ 70 milhões para financiar e
dar suporte aos interessados em
desenvolver métodos para seqüenciar o genoma de um mamífero a um custo total de US$ 1.000.
O resultado foi a criação de um
grande número de companhias
de biotecnologia que competem
por esses recursos e pelos futuros
royalties oriundos de suas possíveis descobertas.
Se, em seis anos, o seqüenciamento de um genoma de mamífero que custava US$ 3 bilhões caiu
para US$ 100 mil (3.000 vezes menos), por que a competição não
poderá fazê-lo cair mais cem vezes e atingir os US$ 1.000 nos próximos dez anos?
Quando isso acontecer, sairei
correndo para seqüenciar meus
genes. Quero saber se estou predisposto a apresentar algum tipo
de câncer ou de doença cardiovascular, de modo que possa fazer
exames preventivos, praticar
mais exercícios ou o que for necessário para não ser surpreendido
quando já for tarde.
Ainda que meus genes indiquem a chegada de uma degeneração neurológica inexorável,
prefiro saber. Se daqui a cinco
anos poderei ter esquecido quem
sou, preciso organizar meus dias
enquanto ainda me reconheço.
E, se porventura for portador de
genes deletérios, eventualmente
transmitidos a meus descendentes, quero avisá-los do perigo que
correm para que possam defender-se ou estar preparados para
enfrentá-los quando chegar a hora.
Identificar os genes humanos a
preço acessível criará condições
para o surgimento de uma medicina preventiva individualizada.
A análise dos genes herdados pelo
bebê permitirá aos pais orientar
seus filhos para adotar estilos de
vida que lhes permitam reduzir o
risco de ficarem doentes e a tomar
medidas preventivas com a finalidade de diagnosticar precocemente as patologias que não puderem ser evitadas.
Como a propriedade mais importante dos genomas é a plasticidade, porque a estrutura dos genes se altera ao interagir com o
ambiente, mapeá-los e seqüenciá-los em várias fases da vida para
identificar as modificações sofridas será de grande utilidade.
Análises comparativas desse tipo
permitirão, por exemplo, individualizar os fumantes que correm
risco de desenvolver câncer ou enfisema, os diabéticos que têm probabilidade alta de sofrer derrame
cerebral, as mulheres e homens de
50 anos que poderão apresentar
doenças neurodegenerativas antes dos 60 anos.
Comparada com essa medicina
preventiva baseada na genômica,
a que praticamos hoje ficará arcaica; servirá apenas para dar
orientações genéricas para grandes populações: abandonar a vida sedentária, evitar a obesidade,
medir periodicamente a pressão
arterial, largar do cigarro.
Talvez você, leitor, ache que, ao
correr atrás do seqüenciamento
de meus genes com o objetivo de
sofrer menos e viver mais, estarei
sendo ridículo porque não é possível controlar todas as variáveis:
poderei ser atropelado em frente
ao laboratório no dia em que for
apanhar os resultados.
Tem razão, vou tomar o cuidado de acessá-los pela internet.
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