São Paulo, quarta-feira, 15 de abril de 2009

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Crítica/"Zii e Zie"

Caetano maduro sofre de "síndrome do segundo disco" após o ótimo "Cê"

MARCUS PRETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um dos mitos mais conhecidos da música pop, a síndrome do segundo disco ataca os novatos que alcançaram grandes resultados no trabalho de estreia e têm de corresponder às expectativas no seguinte. Aos 42 anos de carreira, Caetano parece estar às voltas com conflito parecido.
Muito se esperava deste "Zii e Zie". O álbum teria que dar continuidade à renovação apresentada pelo ótimo "Cê" (2006), em que o artista se aliava a uma banda de rock para chegar ao tom viril e "imaturo" que suas faixas recheadas de sexo e ódio exigiam. Nascia ali outro Caetano, que se autoproclamava irreconhecível, "de cara alegre e cruel, feliz e mau como um pau duro". Para onde o homem de 66 anos poderia ir depois disso?
O ouvinte que se dispuser a buscar essa resposta não pode se deixar abalar com o desconforto que o primeiro contato com "Zii e Zie" causa. Caetano já contou que se esforça para que suas composições atuais não nasçam redondas. Busca sempre a aspereza, as dissonâncias, o ruído. "Zii e Zie" é feito disso.

Paulista e carioca
Nele, mais do que simplesmente rock e samba, Caetano cruza informações que não querem conviver, criando um disco paulista na forma (escuro, experimental) e carioca no conteúdo (quase metade das faixas tem o Rio como tema).
Parece querer tornar ainda mais óbvias as diferenças entre as duas cidades, entre o túmulo e o berço do samba. Confronta personagens que prefeririam não se encarar, como a criança que nasce na favela destinada a morrer pelo tráfico (em "Perdeu") e a menina da zona sul que consome drogas ("Falso Leblon"). E não deixa o ouvinte descansar nem nas duas releituras que faz de clássicos alheios: a banda arrasta andamentos, complica a levada da bateria, carrega nos solos de guitarra distorcida.
Tudo isso passa a doer menos à medida que os ouvidos se acostumam com o disco. Mais de perto, suas faixas começam a soar como canções do "Caetano maduro de antes" vestidas em roupas do "Caetano de "Cê'". É como se, arranjada de outra maneira, "A Cor Amarela" pudesse estar na trilha de "Tieta" (1996), "Lapa" em "Circuladô" (1991), "A Base de Guantánamo" em "Tropicália 2" (1993).
Encaixam-se aqui graças à vestimenta roqueira, não por alguma característica essencial. E nem sempre funciona. É isso que enfraquece a unidade de "Zii e Zie" e o torna, ainda que rico e vigoroso no geral, tão menos impactante -e menos conciso- que "Cê". Nem Caetano está imune às síndromes da música pop.


ZII E ZIE

Artista: Caetano Veloso
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 28
Avaliação: bom



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