|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"Zii e Zie"
Caetano maduro sofre de "síndrome do segundo disco" após o ótimo "Cê"
MARCUS PRETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um dos mitos mais conhecidos da música
pop, a síndrome do segundo disco ataca os novatos
que alcançaram grandes resultados no trabalho de estreia e
têm de corresponder às expectativas no seguinte.
Aos 42 anos de carreira, Caetano parece estar às voltas com
conflito parecido.
Muito se esperava deste "Zii
e Zie". O álbum teria que dar
continuidade à renovação
apresentada pelo ótimo "Cê"
(2006), em que o artista se aliava a uma banda de rock para
chegar ao tom viril e "imaturo"
que suas faixas recheadas de sexo e ódio exigiam. Nascia ali outro Caetano, que se autoproclamava irreconhecível, "de cara
alegre e cruel, feliz e mau como
um pau duro". Para onde o homem de 66 anos poderia ir depois disso?
O ouvinte que se dispuser a
buscar essa resposta não pode
se deixar abalar com o desconforto que o primeiro contato
com "Zii e Zie" causa. Caetano
já contou que se esforça para
que suas composições atuais
não nasçam redondas. Busca
sempre a aspereza, as dissonâncias, o ruído. "Zii e Zie" é
feito disso.
Paulista e carioca
Nele, mais do que simplesmente rock e samba, Caetano
cruza informações que não
querem conviver, criando um
disco paulista na forma (escuro, experimental) e carioca no
conteúdo (quase metade das
faixas tem o Rio como tema).
Parece querer tornar ainda
mais óbvias as diferenças entre
as duas cidades, entre o túmulo
e o berço do samba.
Confronta personagens que
prefeririam não se encarar, como a criança que nasce na favela destinada a morrer pelo tráfico (em "Perdeu") e a menina
da zona sul que consome drogas ("Falso Leblon"). E não deixa o ouvinte descansar nem nas
duas releituras que faz de clássicos alheios: a banda arrasta
andamentos, complica a levada
da bateria, carrega nos solos de
guitarra distorcida.
Tudo isso passa a doer menos
à medida que os ouvidos se
acostumam com o disco. Mais
de perto, suas faixas começam a
soar como canções do "Caetano
maduro de antes" vestidas em
roupas do "Caetano de "Cê'". É
como se, arranjada de outra
maneira, "A Cor Amarela" pudesse estar na trilha de "Tieta"
(1996), "Lapa" em "Circuladô"
(1991), "A Base de Guantánamo" em "Tropicália 2" (1993).
Encaixam-se aqui graças à vestimenta roqueira, não por alguma característica essencial. E
nem sempre funciona.
É isso que enfraquece a unidade de "Zii e Zie" e o torna,
ainda que rico e vigoroso no geral, tão menos impactante -e
menos conciso- que "Cê".
Nem Caetano está imune às
síndromes da música pop.
ZII E ZIE
Artista: Caetano Veloso
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 28
Avaliação: bom
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Fundação Roberto Marinho contesta MinC Índice
|