São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2010

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"Pixo" racha opiniões nas artes

Ao aproximar a manifestação, Bienal adentra campo minado por ressentimento da invasão de 2008

Opositores ao projeto criticam arte que "vandaliza" e "destrói'; artista diz que atitude "autêntica" foi ataque à 28ª edição do evento

DA REPORTAGEM LOCAL

Horas depois de a Folha noticiar que os pichadores, algozes da 28ª Bienal de São Paulo, entrariam na edição de 2010 da mostra pela porta da frente, no Twitter já se debatia o tema.
A artista plástica e twitteira Pinky Wainer saiu na frente: "Como é que alguém pode aceitar um convite de quem lhe mandou prender?", questionou, referindo-se à prisão da pichadora Caroline Pivetta durante a invasão de 2008. "Como é que o conceito de arte muda a este ponto em dois anos?", disse.
Procurado pela reportagem, o curador da Bienal atacada pelo grupo, Ivo Mesquita, preferiu não se posicionar: "Não vi o projeto. Não tenho nada a dizer". Na ocasião do ataque, no entanto, Mesquita chamou a ação de "vandalismo agressivo e autoritário" e escreveu, em artigo para a Folha, que convidar os pichadores para debater ou pichar a Bienal seriam ações "populistas e instrumentalizadoras".
Baixo Ribeiro, da galeria Choque Cultural, atacada pelo grupo em 2008, diz "respeitar o trabalho dos curadores".
Procurado pela Folha, o Centro Universitário Belas Artes, alvo da primeira invasão do grupo em junho de 2008, não se manifestou.

Campo minado
O curador-geral da 29ª edição da mostra sabe que a participação do "pixo" coloca o evento num território minado, que ao mesmo tempo reforça a temática de relacionar arte e política, pretendida como esfera do "desentendimento".
"A nossa aposta é em descobrir formas de tratar do assunto com integridade de ambas as partes, sem que instituição e pixadores cedam completamente ao universo da outra", escreveu. (leia entrevista ao lado)
Para ele, a invasão foi um protesto frente a uma situação de exclusão. "Se é verdade que houve infração de leis pelos pixadores, não existiu o esforço para entender o ocorrido."
Djan Ivson, 25, pichador que participou das ações e que já participou de exposição na Fundação Cartier, em Paris, defende a proposta: "A pichação tem todo direito de ser reconhecida pelo circuito artístico. Apesar de ser feita de forma ilegal, ela exige técnica e talento. Os pichadores nunca tiveram instrução para pintar e desenvolveram uma forma selvagem de expressão".

Agressão
No meio das artes, o anúncio dividiu opiniões. "Com tantos artistas precisando de espaço, acho ruim eles optarem por uma plataforma perversa, que agride", avalia Alessandra D'Aloia, presidente da Associação Brasileira de Arte Contemporânea. "Trata-se de uma agressão. Portanto, sou contra. É por isso que o mundo está assim."
No mesmo tom, Márcia Fortes, da galeria Fortes Vilaça, se declara "radicalmente contra toda arte que vandaliza". Para ela, se o trabalho dos pichadores "continuar a ser a destruição do trabalho dos outros, ele não merece atenção".
Já Nelson Aguilar, curador de duas edições da Bienal (22ª, em 1994, e 23ª, em 1996), acha a proposta interessante. "A última Bienal foi uma espécie de necrotério. Esta aponta para uma ressurreição."
Alexandre Orion, artista que cria intervenções urbanas em São Paulo, diz que "a coisa mais legítima que a pichação poderia fazer já foi feita durante a invasão. Qualquer tentativa da Bienal de absorver isso vai ser frustrada", calcula.
Para Marcelo Cidade, artista que se diz decepcionado com "uma geração de grafiteiros que hoje decoram a casa de madames", a pichação pode estar na trilha da domesticação.
Já o artista plástico Nuno Ramos considera a inclusão institucional como algo inevitável. E lembra: "O único parâmetro que a Bienal tem de respeitar é de que seja arte boa. Tomara que eles sejam bons." (FERNANDA MENA)


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