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Para onde foi a vida toda?
LUIZ PAULO BARAVELLI
especial para a Folha
(You can get no.)
Tenho 55 anos e traduzo, de Philip Larkin, o poema "A Vista", um
tanto literalmente:
"A vista é bonita, desde os cinquenta,
dizem alpinistas experientes;
Assim, acima do peso e inquieto
me volto para ver
o caminho até hoje.
Em vez de campos épicos
e veredas floridas que serpeiam,
o caminho se parte sob meus dedões
e desaparece em nevoeiro.
A vista não existe.
Para onde foi, a vida toda?
pode me revistar. O que sobra é
chatura.
Desfilhado e desesposado, posso
ver isso bem claro:
tão final. E tão perto".
O que eles fazem é música, portanto arte. Ou a arte é uma entidade à
parte da vida ou é uma intensificação e uma clarificação legível das
correntes subjacentes à vida real.
Os Rolling Stones e os Beatles.
Desde o início os sinais eram em
direções opostas. Os Rolling Stones optaram por este olhar para o
que é à parte, endereçaram seu
trabalho para a criação de um espaço vazio. Segunda-feira passada, apesar do barulho e dos empurrões, houve uma extraordinária produção de silêncio. Do que se
trata aquele ritual? para que foi todo mundo lá? As pessoas tem uma
vida tão cheia de coisas, os dias tão
lotados que precisam desse silêncio conceitual. "Não dava para ver
nada e ninguém sabia as letras; todo mundo só sabia o refrão que diz
que não se vai ter satisfação", como observou meu filho de 18 anos
- um resumo muito bom. Todos
foram lá justamente para isso; para um dia poderem se perguntar:
"Para onde foi, a vida toda?"
Nos Beatles havia satisfação e
acabou; houve um flash de coisidade, aquilo era virado para a vida
real e impossível de manter.
Falamos neles com o mesmo
olhar distante com que falamos
em Schubert, românticos e ingênuos, cada vez mais parecidos,
com seus ternos, suíças e oclinhos.
Os Rolling Stones parecem estátuas neoclássicas, brancas e de
olhos vazios; como elas, podem
encenar o que quiserem: lutas,
sensualidades e dramas; tudo isso
é silêncio, protegidos por seu nevoeiro de mármore branco.
No meio de todos aqueles cotovelos me afligiu a possibilidade
matemática de, em vez dos Rolling
Stones, eu estar ali para assistir a
um show dos Beatles e quando eles
(e eu) nos voltássemos para ver a
vista desde os 50 ela fosse insuportávelmente cheia de picos e vales e
veredas que serpeiam e gente e
coisas e lugares - seria muito. Satisfeito e com meu estoque de esquecimento renovado, saí antes
do fim, fui tomar um chope e daí
para a cama.
Luiz Paulo Baravelli é artista plástico.
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