São Paulo, quarta, 15 de abril de 1998

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Stones dão razões para gostar de rock

MARCELO OROZCO
do "NP"

Telão, fogos, explosões, produção high-tech, tudo impressionante e de alta qualidade. Mas o importante no show dos Rolling Stones em São Paulo, segunda à noite no Ibirapuera, foi a amostra da essência musical da banda, numa parte que poucos realmente viram.
Em três músicas na metade do show, os Stones se instalaram num palco minúsculo no meio da platéia. O telão foi desligado e tudo dependeu apenas do rock sujo, mais distorcido (embora menos potente em decibéis) que o produzido no palco principal.
Dando a ilusão de que estão em um bar em 1963 ou em um palco da primitiva era dos grandes shows em 1969, os Stones declaram que ainda sabem fazer (e muito bem) rock básico, sem acessórios. Apenas ficaram grandes demais e não podem voltar atrás a noite inteira.
Musicalmente, o ponto é provado pela escalação das canções no minipalco. Após a cover de um rock'n'roll do pioneiro Chuck Berry, "Little Queenie", e de "Under My Thumb", gravada em 66, os Stones tocam "You Got Me Rocking", feita em 94.
Ali, esse rock recente deixa de ter a cara estéril que recebeu em estúdios moderníssimos e parece composto na mesma leva dos clássicos ardidos do período entre 68 e 72.
Só que, sem telão, a maioria do público fica órfão. Ouve, curte e mal vê o que acontece, proporcionando diálogos como este entre uma moça loira e seu namorado, ambos de estatura mediana: "Você enxerga, amor?" "Não. Tem um "cabeção' logo lá na frente".
Após demonstrar que, no fundo, os cinquentões são os mesmos meninos maus de 30 anos atrás, os Stones voltam ao palco principal para a sequência final eletrizante.
Então, a banda traduz a essência exibida no minipalco para as proporções gigantescas necessárias para um público tão grande como o do Ibirapuera.
Com uma pegada maior que a do show de sábado no Rio, os Stones fazem a multidão dançar, cantar e esquecer o atraso de quase 50 minutos e o cansaço.
A vibração é sentida. O satisfeito "too much!" ("Demais!") proferido por Keith Richards em um close do telão durante "Start Me Up" bem poderia ser mais um jogo de cena dos inúmeros ensaiados pelos Stones. Porém, com tanta gente pulando com alegria genuína, a exclamação soa espontânea.
É o clímax construído desde o início pelo grupo com o melhor domínio de um espetáculo. O que vem antes é aquecimento para o que todos esperam: rock'n'roll jogado na cara.
Até a metade, o show vai crescendo com "Satisfaction" para despertar, músicas novas para promover o álbum "Bridges to Babylon", o obrigatório "Like a Rolling Stone" com Bob Dylan (mais bagunçado que no Rio), as saudações de Mick Jagger em algo que lembra português e os dois números com Richards cantando.
No geral, os Stones, velhos, enrugados e ainda mestres em sua arte, lembraram em 22 músicas as razões para gostar de rock, por suas virtudes e defeitos.



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