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SKOL BEATS
Folha acompanha grupo de cinco não-iniciados no evento de música eletrônica em SP e conta suas impressões
"Deus está neste festival", prega padre
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quatro surdos confraternizam
em frente à tenda de drum'n'bass
do Skol Beats. O professor de libras (língua brasileira de surdos),
Jucelino Buarque Onofre, 50, explica. "A gente ouve com o corpo.
Sente a vibração aqui ó, no peito."
Onofre encontra os colegas por
acaso, ao circular com o grupo de
não-iniciados que a Folha leva para assistir ao festival: estão na comitiva um padre, um maestro,
uma mãe de família (ou duas, se
contarmos a intérprete Cláudia
Pereira, 40, que traduz os gestos de
Onofre) e uma antropóloga.
Animado, padre Darcy Augusto,
44, da congregação religiosa do
Sagrado Coração de Jesus, observa: "Precisamos criar maneiras de
atrair o jovem para a igreja. Acho
que Deus está neste festival", ele
diz, interagindo com o pintor de
parede Elias Clemente, 35, que usa
um capacete branco, uma máscara cirúrgica com a imagem de uma
formiga e uma camiseta com a foto dos filhos.
"A igreja é a substância para
nossas ações", acha Clemente. Ele
conta que se casou há 13 anos, "no
cartório", e solta um sermão pipocado de expressões como "fazer o
bem" e "pensamento pleno"; no
fim, pergunta: "A reportagem vai
sair quando?".
Tímpano ferido
Por quatro horas, o grupo se
mistura à animada turba sem
grandes incidentes: apenas uma
vez dois elementos se desgarram,
mas logo retomam o périplo.
O maestro Paulo Nogueira, 33,
regente há seis anos no Teatro
Municipal e dono de três cães rotweiller, circula sem estranhar
eventuais manifestações de alegre
selvageria (exemplo, um rapaz de
aproximadamente 20 anos passa
"latindo", aos trancos com companheiros que chupam pirulitos).
"Não tenho preconceito, gosto
de axé, Beethoven e tecno. Agora:
isso aqui é puro ritmo. Não existe
harmonia nem melodia", explica
Nogueira, que no dia seguinte se
levantaria cedo para reger um
concerto para 1.600 pessoas no
Sesi da Paulista.
Mas a "tecneira" não polui os
ouvidos? "Fere o tímpano, sim.
Bate dentro do corpo", diz.
Nesse momento, um garoto
passa pelo grupo aos pinotes, "nadando" no ar com os braços levantados. O grupo ri como se ele
fosse um engolidor de fogo.
"Que maravilha! Se coloco um
tênis aqui, pulo a noite inteira.
Minha frustração é não ser bailarina", diz a técnica de produção
gráfica Regina Célia Faria, 47, mãe
de dois filhos e fã de Elton John.
"O som aqui é muito parecido",
diz ela, apontando para duas tendas vizinhas, que tocam, respectivamente, eletro-house e psyco-house (segundo informações obtidas no local).
A reportagem pergunta a três
frenéticos circunstantes se eles sabem do que se trata. Respostas:
"Sei não, mano" e "Num tenho
idéia". Reina no local uma espécie
de apologia da ignorância. "Ritmo? É música, véio", ri um rapaz
de cerca de 30 anos, mas que estranhamente se porta como se tivesse 12.
Observação participante
Por sorte, há no grupo uma antropóloga atualmente mergulhada em pesquisas sobre culturas juvenis. "Tento interagir, sem
perder o olhar estrangeiro", explica Rita Alves, 40, professora no
curso de fotografia da PUC.
O diagnóstico dela: "Aqui, o
Carnaval, as hierarquias e as ordens são subvertidas. Mesmo assim, existe uma lei própria: eles
querem ser diferentes, sendo
iguais. A força homogeneizante é
muito grande", explica.
Entre uma assertiva e outra, Rita encontra alunos da faculdade:
"Eles fizeram uma intervenção
corporal com introdução de piercings e rock'n'roll na sala de aula:
foi uma adrenalina danada".
A dentista Cláudia, 40, a outra
mãe de família, está com dor de
cabeça. À saída, ela diz que o
evento é legal, mas por um tempo.
E o sr. maestro, quantas horas
mais agüentaria? "Depende do
quanto de bebida você me der", ri.
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