São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 2006

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SKOL BEATS

Folha acompanha grupo de cinco não-iniciados no evento de música eletrônica em SP e conta suas impressões

"Deus está neste festival", prega padre

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quatro surdos confraternizam em frente à tenda de drum'n'bass do Skol Beats. O professor de libras (língua brasileira de surdos), Jucelino Buarque Onofre, 50, explica. "A gente ouve com o corpo. Sente a vibração aqui ó, no peito."
Onofre encontra os colegas por acaso, ao circular com o grupo de não-iniciados que a Folha leva para assistir ao festival: estão na comitiva um padre, um maestro, uma mãe de família (ou duas, se contarmos a intérprete Cláudia Pereira, 40, que traduz os gestos de Onofre) e uma antropóloga.
Animado, padre Darcy Augusto, 44, da congregação religiosa do Sagrado Coração de Jesus, observa: "Precisamos criar maneiras de atrair o jovem para a igreja. Acho que Deus está neste festival", ele diz, interagindo com o pintor de parede Elias Clemente, 35, que usa um capacete branco, uma máscara cirúrgica com a imagem de uma formiga e uma camiseta com a foto dos filhos.
"A igreja é a substância para nossas ações", acha Clemente. Ele conta que se casou há 13 anos, "no cartório", e solta um sermão pipocado de expressões como "fazer o bem" e "pensamento pleno"; no fim, pergunta: "A reportagem vai sair quando?".

Tímpano ferido
Por quatro horas, o grupo se mistura à animada turba sem grandes incidentes: apenas uma vez dois elementos se desgarram, mas logo retomam o périplo.
O maestro Paulo Nogueira, 33, regente há seis anos no Teatro Municipal e dono de três cães rotweiller, circula sem estranhar eventuais manifestações de alegre selvageria (exemplo, um rapaz de aproximadamente 20 anos passa "latindo", aos trancos com companheiros que chupam pirulitos).
"Não tenho preconceito, gosto de axé, Beethoven e tecno. Agora: isso aqui é puro ritmo. Não existe harmonia nem melodia", explica Nogueira, que no dia seguinte se levantaria cedo para reger um concerto para 1.600 pessoas no Sesi da Paulista.
Mas a "tecneira" não polui os ouvidos? "Fere o tímpano, sim. Bate dentro do corpo", diz.
Nesse momento, um garoto passa pelo grupo aos pinotes, "nadando" no ar com os braços levantados. O grupo ri como se ele fosse um engolidor de fogo.
"Que maravilha! Se coloco um tênis aqui, pulo a noite inteira. Minha frustração é não ser bailarina", diz a técnica de produção gráfica Regina Célia Faria, 47, mãe de dois filhos e fã de Elton John.
"O som aqui é muito parecido", diz ela, apontando para duas tendas vizinhas, que tocam, respectivamente, eletro-house e psyco-house (segundo informações obtidas no local).
A reportagem pergunta a três frenéticos circunstantes se eles sabem do que se trata. Respostas: "Sei não, mano" e "Num tenho idéia". Reina no local uma espécie de apologia da ignorância. "Ritmo? É música, véio", ri um rapaz de cerca de 30 anos, mas que estranhamente se porta como se tivesse 12.

Observação participante
Por sorte, há no grupo uma antropóloga atualmente mergulhada em pesquisas sobre culturas juvenis. "Tento interagir, sem perder o olhar estrangeiro", explica Rita Alves, 40, professora no curso de fotografia da PUC.
O diagnóstico dela: "Aqui, o Carnaval, as hierarquias e as ordens são subvertidas. Mesmo assim, existe uma lei própria: eles querem ser diferentes, sendo iguais. A força homogeneizante é muito grande", explica.
Entre uma assertiva e outra, Rita encontra alunos da faculdade: "Eles fizeram uma intervenção corporal com introdução de piercings e rock'n'roll na sala de aula: foi uma adrenalina danada".
A dentista Cláudia, 40, a outra mãe de família, está com dor de cabeça. À saída, ela diz que o evento é legal, mas por um tempo.
E o sr. maestro, quantas horas mais agüentaria? "Depende do quanto de bebida você me der", ri.


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